Num capítulo intitulado «Lo Stato Etico», datado de 1930, Benedetto Croce apresenta uma reflexão acerca do modo como, ao longo do tempo, foi evoluindo a ideia de ética, tendo em consideração o uso que o estado lhe dá.
Partindo da proposição, segundo a qual “o Estado não tem outra lei senão a própria potência ou força”, o autor manifesta a sua concordância com as palavras que Maquiavel enuncia ao considerar que “os Estados não se governam com padres nossos” e que requerem, em vez disso, a virtude, mas uma virtude diferente da virtude cristã: a virtude política.
Os últimos tempos têm sido férteis em retrocessos. Alguns civilizacionais. Os ideais da Revolução Francesa, tão apregoados por conhecidos republicanos, parecem estar a passar por um curto-circuito.
Com efeito, não posso deixar de manifestar a minha perplexidade quando sou informado de que um dos parâmetros da minha avaliação profissional, passará por encontrar “evidências” que, no meu dia a dia, comprovem a minha idoneidade ética e social. A minha perplexidade resulta do facto de, querendo ainda acreditar na boa vontade de quem legislou, a referência ética, utilizada neste contexto, ser reveladora de falta de cuidado na utilização de conceitos demasiadamente complexos para que deles se faça um uso leviano. Por outro lado, se o legislador agiu consciente do que fazia, a situação pode ser mais preocupante.
Há alguns anos, foi instaurado um processo disciplinar a um amigo meu. Na altura, lembro-me de ele me ter manifestado a sua estupefacção pelo modo insistente como, desde o início, ele se apercebeu da importância de no seu bilhete de identidade se encontrar inscrita a referência ao facto de ser casado. Dizia-me ele que tinha ficado com uma forte convicção de que, se o seu estado civil fosse outro, a sua situação poderia ter sido tratada de maneira diferente. Confesso que, naquele tempo, tudo isto me pareceu estranho. Era estranha a situação por que ele passava e estranha era também a impressão de que me tinha dado conta. Agora, perante a possibilidade de uma avaliação da minha componente ética, começo a não achar tão estranho. Num primeiro momento, depois de ser informado desta situação, procurei encontrar uma forma ligeira de lidar com o assunto, imaginando a fila de professores que a partir de agora se começariam a perfilar em busca de um documento que certificasse a sua dimensão ética. O estado está a tornar-se minúsculo, deixando de merecer a letra maiúscula com que, noutros tempos, fazia por merecer. A necessidade de um comprovativo desta natureza faz relevar a ideia de que, após avanços assinaláveis da nossa civilização, como, por exemplo, a separação entre as dimensões do estado e da Igreja, aparecer agora uma veia moralista encapotada que, apesar de ainda vivermos numa democracia formal, merece uma atenção especial. Até porque confesso a minha dificuldade em imaginar a quem será atribuída a capacidade para avaliar o comportamento ético dos outros, primeiro passo para a arbitrariedade num sistema já de si arbitrário. O reino é mesmo o da arbitrariedade e o pior é que é o direito fundamental à liberdade individual que está a ser posto em causa sem que os cidadãos se apercebam inteiramente. Sob a capa da crise, parece que começa a valer tudo. O meu país começa a não ser este…
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