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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Destino e Carácter

«Não só é impossível, em qualquer caso, dizer o que, afinal, deve ser visto como função do carácter ou como função do destino na vida de uma pessoa (isto não teria aqui qualquer significado se ambos, por exemplo, se interpenetrassem apenas na experiência), como também o exterior que o homem activo encontra pode remeter, numa escala quase sem limite, para o seu interior, e este para o seu exterior, na mesma escala e por princípio, ou mesmo ser tomado essencialmente por esse exterior. Deste ponto de vista, o carácter e o destino, longe de se separarem teoricamente, acabam por coincidir. É o que Nietzsche tem em mente ao escrever: «Quando alguém tem carácter, há sempre alguma sua vivência que se torna recorrente». Ou seja: quando alguém tem carácter, o seu destino é, no essencial, constante. O que, por outro lado, pode também significar: não tem destino (esta foi a conclusão a que chegaram os estóicos).

(...)A sorte parece ser antes aquilo que liberta quem a tem da cadeia dos destinos e da rede do seu próprio destino. Não é por acaso que Holderlin diz que os deuses bem-aventurados «escapam ao destino». Também a sorte e a bem-aventurança, portanto, fogem à esfera do destino, tal como a inocência.

(...) O destino revela-se, portanto, na observação de uma vida como algo de condenado, no fundo como algo que começou por ser condenado para depois ser culpado. Goethe resumiu estas duas fases nas palavras: «Vós fazeis dos pobres culpados.» O Direito não condena à punição, mas à culpa.

(...) Existe então um conceito de presente - e é o autêntico, o único, que se aplica da mesma maneira ao destino na tragédia e às intenções da cartomante - totalmente independente do do carácter, e que busca o seu fundamento numa esfera completamente diferente.

(...) ... é preciso mostrar à moral que nunca são as qualidades que são moralmente importantes, mas sim as acções.

(...) Já a visão do carácter é libertadora sob todas as formas: está ligada à liberdade (de uma forma que não pode aqui ser demonstrada) pela via da sua afinidade com a lógica.
O traço de carácter não é, portanto, o nó na rede. É o sol do indivíduo no céu descorado (anónimo) do ser humano, que projecta a sombra da acção cómica. É isto que reconduz ao seu verdadeiro contexto a profunda consideração de Cohen segundo a qual toda a acção trágica, por mais sublime que seja nos seus coturnos, projecta uma sombra cómica.»

Walter Benjamin, O Anjo da História

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