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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Devaneios

«O amontoado de tantas circunstâncias fortuitas, a ascensão de todos os meus cruéis inimigos, determinada por assim dizer pela fortuna, por todos os que governam o Estado, todos os que dirigem a opinião pública, todas as pessoas importantes, todos os homens com crédito, escolhidos com muito cuidado entre aqueles que sentem por mim alguma animosidade secreta, para participarem na conspiração comum, constituíam acordo universal demasiado extraordinário para ser meramente fortuito. Um só homem que se recusasse a ser cúmplice, um só acontecimento que lhe fosse contrário, uma só circunstância imprevista que constituísse um obstáculo, bastariam para que tal conspiração falhasse. Todas as vontades, porém, todas as fatalidades, o destino e todas as revoluções fortaleceram a obra dos homens, e um concurso de circunstâncias tão impressionante que tem algo de prodigioso não me permite duvidar que o seu êxito total esteja escrito nos decretos eternos. Inúmeras observações particulares, quer passadas, quer presentes, confirmam a tal ponto esta minha opinião que, a partir de agora, não posso deixar de encarar como um desses segredos do Céu, impenetráveis à razão humana, essa obra que até agora considerava apenas fruto da maldade dos homens.
Esta ideia, longe de ser cruel e pungente para mim, consola-me, tranquiliza-me, e ajuda-me a resignar-me. Não vou tão longe como foi Santo Agostinho, que se consolaria com a condenação, se esse fosse a vontade de Deus. A minha resignação provém, é certo, de uma fonte menos desinteressada, mas não menos pura e mais digna, na minha opinião, so Ser perfeito que adoro. Deus é justo; quer que eu sofra, e sabe que estou inocente. É esse o motivo da minha confiança; o meu coração e a minha razão dizem-me que ela não me enganará. Deixemos, pois, agir os homens e o destino; aprendamos a sofrer sem um murmúrio; no fim, tudo deve reentrar na ordem e a minha vez chegará, mais cedo ou mais tarde.»

Jean-Jacques Rousseau, Os Devaneios do Caminhante Solitário

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