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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Passado

«Escrevo que Paulo, em 1920, era aluno da Escola Politécnica. Quem é que "era"? Paulo, evidentemente; mas que Paulo? O jovem de 1920? Mas o único tempo do verbo ser que convém a Paulo considerado em 1920 - na medida em que lhe atribuímos a qualidade de estudante politécnico - é o presente. Na medida em que ele foi, é preciso dizer: "ele é". Se é um Paulo transformado em passado quem foi o aluno da Politécnica, toda a relação com o presente fica rompida: o homem que sustentava esta qualificação, o sujeito, ficou lá atrás, com seu atributo, em 1920. Se quisermos manter a possibilidade de uma rememoração, será necessário, nesta hipótese, admitir uma síntese recognitiva que venha do presente para manter o contacto com o passado. Síntese impossível de se conceber, se não for um modo de ser originário. À falta de síntese, será preciso abandonar o passado em seu altivo isolamento. Além disso, que significaria semelhante cisão da personalidade? Proust admite sem dúvida a pluralidade sucessiva dos Eus, mas esta concepção, tomada ao pé da letra, nos faz recair nas dificuldades insuperáveis que os associacionistas encontram em sua época. Talvez possa se sugerir a hipótese de uma permanência na mudança: aquele que foi aluno da Politécnica é esse mesmo Paulo que existia em 1920 e existe hoje? É aquele de quem, após termos dito "é aluno da Politécnica", agora dizemos: "é ex-aluno da Politécnica". Mas esse recurso à permanência não nos livra do embaraço: se nada vier tomar ao revés o fluir dos "agoras", de modo a constituir a série temporal, e, nesta série, caracteres permanentes, a permanência nada mais será que certo conteúdo instantâneo e sem espessura de cada "agora" individual. É preciso que haja um passado e, por conseguinte, algo ou alguém que era esse passado, para que haja uma permanência; longe de poder constituir o tempo, esta o pressupõe para revelar-se nele e revelar com ela a mudança. Voltamos, pois, ao que entrevíamos antes: se a remanência existencial do ser sob a forma de passado não surge originariamente de meu presente atual, se meu passado de ontem não for como uma transcendência para trás de meu presente de hoje, perderemos toda esperança de religar o passado ao presente. Assim, se digo que Paulo foi ou era aluno da Politécnica, refiro-me a esse Paulo que presentemente é e digo que é quadragenário. Não é o adolescente que era aluno. Deste, enquanto foi, deve-se dizer: é. O quadragenário é que era. Para dizer a verdade, o homem de trinta anos também o era. Mas que seria o homem de trinta anos, por sua vez, sem o quadragenário que o foi? E o próprio quadragenario, é no extremo limite de seu presente que ele "era" aluno da Politécnica. E finalmente, é o ser humano da "Erlebnis" que tem a missão de ser quadragenário, homem de trinta anos, adolescente, à maneira de tê-lo sido. Desta "Erlebnis", dizemos hoje que é; do quadragenário e do adolescente também se disse, em seu tempo, que são; hoje, fazem parte do passado, e o passado mesmo é, no sentido de que, atualmente, é o passado de Paulo ou desta "Erlebnis". Assim, os tempos particulares do perfeito designam seres que existem todos realmente, ainda que em modos de ser diversos, mas dos quais um é e , ao mesmo tempo, era o outro; o passado caracteriza-se como passado de algo ou de alguém; tem-se um passado. É este utensílio, esta sociedade, este homem que têm seu passado. Não há primeiro um passado universal que depois se particularizasse em passados concretos. Mas, ao contrário, o que encontramos primeiro são passados particulares. E o verdadeiro problema [...] será saber por qual processo esses passados individuais podem unir-se para formar o passado.»

Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada 

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