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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Escavar e Recordar

«A linguagem fez-nos perceber, de forma inconfundível, como a memória (Gedachtnis) não é um instrumento, mas um meio, para a exploração do passado. É o meio através do qual chegamos ao vivido (das Erlebte), do mesmo modo que a terra é o meio no qual estão soterradas as cidades antigas. Quem procura aproximar-se do seu próprio passado soterrado tem de se comportar como um homem que escava. Fundamental é que ele não receie regressar repetidas vezes à mesma matéria (Sachverhalt) - espalhá-la, tal como se espalha terra, revolvê-la, tal como se revolve o solo. Porque essas «matérias» mais não são do que estratos dos quais só a mais cuidadosa investigação consegue extrair aquelas coisas que justificam o esforço da escavação. Falo das imagens que, arrancadas a todos os seus contextos anteriores, estão agora expostas, como preciosidades, nos aposentos sóbrios da nossa visão posterior - como torsos na galeria do colecionador. E não há dúvida de que aquele que escava deve fazê-lo guiando-se por mapas do lugar. Mas igualmente imprescindível é saber enterrar a pá de forma cuidadosa e tateante no escuro reino da terra. E engana-se e priva-se do melhor quem se limitar a fazer o inventário dos achados, e não for capaz de assinalar, no terreno do presente,  o lugar exato em que guarda as coisas do passado. Assim, o trabalho da verdadeira recordação (Erinnerung) deve ser menos o de um relatório, e mais o da indicação exata do lugar onde o investigador se apoderou dessas recordações. Por isso, a verdadeira recordação é rigorosamente épica e rapsódica, deve dar ao mesmo tempo uma imagem daquele que se recorda, do mesmo modo que um bom relatório arqueológico não tem apenas de mencionar os estratos em que foram encontrados os achados, mas sobretudo os outros, aqueles pelos quais o trabalho teve de passar antes.»

Walter Benjamin, Imagens de Pensamento

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