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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Coerência

«Outra coisa que nos faz desconfiar da confiança em nós próprios é a nossa atitude de coerência, de reverência pelo que dissemos ou fizemos, pois trata-se das únicas reverências dos olhares dos outros para julgarem a órbita em que nos movemos, e sentimos relutância em desapontá-los.
Mas porque deveríamos andar com a cabeça entre os ombros arrastando esse cadáver da nossa memória, por medo de contradizer o que afirmámos num ou noutro local público? Imaginemos que sejais levados a contradizer-vos: e depois? Parece ser uma regra de sabedoria  nunca contar só com a memória, ainda menos quando se trata de actos de pura memória, mas submeter o passado ao julgamento do presente, sob múltiplos aspectos, e viver cada dia como um dia novo. Na vossa metafísica recusastes atribuir uma personalidade à Deidade; contudo, quando chegam os devotos impulsos da alma, cedeis-lhes inteiramente, de todo o coração, apesar de eles poderem revestir Deus de forma e de cor. Abandonai a vossa teoria, como José abandonou o seu manto nas mãos da meretriz, a parti.
Este espírito de coerência tola é o diabrete das mentes pusilânimes, venerado por homens de Estado, filósofos e teólogos de pouca envergadura. Uma grande alma não precisa dele para nada. Da mesma maneira, poderia preocupar-se com a sua sombra no muro. Hoje, expressai alto e bom som o que sentis e no dia seguinte utilizai de novo palavras fortes para exprimirdes o que pensais, mesmo que isso contradiga tudo o que dissestes então. «Ah, assim podereis ter a certeza de que não sereis compreendido.» E será assim tão mau, não ser compreendido? Pitágoras não foi compreendido, tal como Sócrates, Jesus, Copérnico, Galileu, Newton, tal como todos os espíritos sábios e puros que existiram através da História. Ser grande é ser incompreendido.»

Ralph Waldo Emerson, A Confiança em Si, A Natureza e Outros Ensaios

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