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domingo, 18 de dezembro de 2011

Sono

«Um homem que dorme tem em círculo à sua volta o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Consulta-os instintivamente ao acordar, e nele lê num segundo o ponto da terra que ocupa, o tempo que decorreu até ao seu despertar; mas as respectivas linhas podem misturar-se, quebrar-se. Basta que, já de manhã, depois de uma insónia qualquer, o sono o invada enquanto lê, numa posição muito diferente daquela em que habitualmente dorme, basta que tenha o braço levantado para deter e fazer recuar o sol, e ao primeiro minuto depois de acordar já não saberá que horas são, julgará que mal acaba de se deitar. Se se deixar dormir numa posição ainda mais deslocada e divergente, por exemplo, sentado num cadeirão depois do jantar, então a perturbação será completa nos mundos desorbitados, o cadeirão mágico fa-lo-á viajar a toda a velocidade no tempo e no espaço e, no momento de abrir as pálpebras, irá julgar-se deitado alguns meses antes noutro país. Mas bastava que, na minha própria cama, o meu sono fosse profundo e me distendesse completamente o espírito; então, este deixava escapar o mapa do lugar onde adormecera e, quando acordava a meio da noite, como não sabia onde estava, ignorava até, no primeiro instante, quem era; tinha apenas, na sua simplicidade primitiva, a sensação da existência como ela pode fremir no fundo de um animal; estava mais carecido que o homem das cavernas; mas então a lembrança - não ainda do lugar onde estava, mas de alguns outros que habitara ou onde poderia estar - ocorria-me como um auxílio vindo do alto para me tirar do nada donde não poderia sair sozinho; passava num segundo por cima de séculos de civilização, e a imagem confusamente entrevista de candeeiros a petróleo, e, depois, de camisas de colarinho revirado, recompunha a pouco e pouco as feições originais do meu eu.»

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, do Lado de Swann

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