Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Pearls
Iludo-me na justa crença de que posso ser outro, de que posso ser aquilo que os meus sentidos e a minha cabeça me dizem para que eu seja. Sei que sou capaz de ser outro numa espécie de esquizofrenia que me chega a fazer crer que serei mesmo capaz de ser um outro a quem me dirija de mãos abertas, porque apenas assim me sou capaz de dirigir aos outros. Esse é o gesto que tenho treinado sempre: seguir ao encontro do outro de mãos abertas. Para isso tenho treinado e por causa disso, quando olho para a adversidade sei encontrar aquilo que nela é circunstancial, passageiro, como, afinal de contas, tudo o resto, se assim entendermos a nossa insignificância absoluta. A contingência do presente é apenas o lugar onde aprecio o modo como a sociedade de bem-estar tornou mimados aqueles que agora mais se queixam da vida.
Lembro-me bem de ver pessoas, adultos, crianças, caminhando despidos pela rua em pleno inverno, na terra onde cresci. Lembro-me da quantidade de pessoas sem teto que viviam na rua que ficava abaixo da minha. Lembro-me do tempo em que alguém que me era próximo se esforçava por distribuir alimentos por aqueles que mais necessitavam. Lembro-me de uma terra onde não havia nem direito à saúde, nem à educação. Por mais que as privações nos batam à porta, os ganhos são tão assinaláveis que apenas num silêncio contemplativo poderei exprimir-me.
Enquanto tanto de extraordinário nos aconteceu, houve sempre uma mulher na Somália ou noutro lugar qualquer do mundo a lutar. Silenciosamente.
E continua…
Laughing Gravy
The crisis has just passed.
Uh-oh, here it comes again,
looking for someone to blame itself on, you, I...
All these people coming in...
The last time we necked
I noticed this lobe on your ear.
Please, tell me we may begin.
All the wolves in the wolf factory paused
at noon, for a moment of silence.
Uh-oh, here it comes again,
looking for someone to blame itself on, you, I...
All these people coming in...
The last time we necked
I noticed this lobe on your ear.
Please, tell me we may begin.
All the wolves in the wolf factory paused
at noon, for a moment of silence.
John Ashbery, Notes from the air, selected later poems
Chorar
«Entre o asceta e o homem vulgar não conheço, na esfera da dignidade da alma, uso intermédio ou médio termo. Quem usa que use, quem abdica que abdique. Use com a brutalidade do uso; abdique com a absoluteza da abdicação. Abdique sem lágrimas, sem consolações de si mesmo, senhor ao menos da força da sua abdicação. Abdique sem lágrimas, sem consolações de si mesmo, senhor ao menos da força da sua abdicação. Despreze-se, sim, mas com dignidade.
Chorar ante o mundo - e quanto mais belo o choro, mais largo mundo se lhe abre e mais pública vergonha - eis a última indignidade que pode praticar sobre a sua vida íntima um vencido que não conserva a espada para o último dever do soldado. Somos todos soldados neste regimento instintivo da vida: temos de viver com a lei da razão ou com nenhuma lei. O prazer é para os cães, a queixa para as mulheres; o homem tem somente, de seu e próprio, a honra ou o silêncio. Senti isto, mais que nunca, nas chamas do fogão em que acabei para sempre com os meus escritos.»
Chorar ante o mundo - e quanto mais belo o choro, mais largo mundo se lhe abre e mais pública vergonha - eis a última indignidade que pode praticar sobre a sua vida íntima um vencido que não conserva a espada para o último dever do soldado. Somos todos soldados neste regimento instintivo da vida: temos de viver com a lei da razão ou com nenhuma lei. O prazer é para os cães, a queixa para as mulheres; o homem tem somente, de seu e próprio, a honra ou o silêncio. Senti isto, mais que nunca, nas chamas do fogão em que acabei para sempre com os meus escritos.»
Barão de Teive, A Educação do Estóico
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
As Trevas da Tua Dor
E também te podem dizer
sê servil na pátria dos outros
pois a tua terra deixou-te nascer
somente para a fome ou para que vivas
no chiqueiro de um porco. Emigra e
volta da pátria dos outros
sem palavras, mas carregado de coisas
se, acaso, tiveres sorte, isto é,
se fores suficientemente servil.
Podes depois voltar
com alma de aluguer
abandonada que foi a tua terra
para te sujeitares ao trabalho que
te envergonharias de fazer. E
quando regressares - julgando tu que
regressar é verbo que se conjuga -, vais
julgar-te um herói, qualquer coisa,
só porque andas com máquina de vídeo
choldreando por todo o lado. Isto é
também a tua pátria, a tua vida. E
não há cão que
uive às trevas da tua dor.
sê servil na pátria dos outros
pois a tua terra deixou-te nascer
somente para a fome ou para que vivas
no chiqueiro de um porco. Emigra e
volta da pátria dos outros
sem palavras, mas carregado de coisas
se, acaso, tiveres sorte, isto é,
se fores suficientemente servil.
Podes depois voltar
com alma de aluguer
abandonada que foi a tua terra
para te sujeitares ao trabalho que
te envergonharias de fazer. E
quando regressares - julgando tu que
regressar é verbo que se conjuga -, vais
julgar-te um herói, qualquer coisa,
só porque andas com máquina de vídeo
choldreando por todo o lado. Isto é
também a tua pátria, a tua vida. E
não há cão que
uive às trevas da tua dor.
João Miguel Fernandes Jorge, Terra Nostra
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Il logos spurio
«Gli individui da cui prendono origine le espressioni astratte possono essere semplici specchi riflettenti e allora nella costrizione del logos si propagherà la violenza dei contatti metafisici; di regola però si instaura un rapporto tra le rappresentazioni concrete che innestandosi nell'unità espressiva dell'organismo umano si collegano, attraverso il meccanismo della causalità, ad altre serie rappresentative concrete, si manifestano come centri propulsivi di concatenazioni espressive circoscritte, in cui l'individuo è pensato come origine prima, e dànno luogo all'apparenza mitica della volontà, dell'azione e del libero arbitrio. In base al suddetto rapporto la rappresentazione astratta viene allora assunta come ratio volendi, come "motivo" per un' "azione" dell'individuo, ossia per una modificazione causale in una catena rappresentativa.
È normale che i pensieri, le parole e i discorsi degli uomini obbediscano a questo intreccio eterogeneo di spunti e cammini espressivi, cosicché una formazione grezza degli universali, una mescolanza caotica del necessario e del contingente nei nessi rappresentativi, la subordinazione di ogni prodotto astratto e discorsivo al propagarsi individuale, al di là della convergenza organica in cui si costituisce, della spinta espressiva primaria - tutto ciò potrà chiamarsi appunto un logos spurio. Se ne raffigurano varie specie, a cominciare dal discorso poetico, dove il potere astraente della parola è contrastato, la costrizione è superata dal giuoco e spesso il diaframma dell'organismo viene anche a cadere, al discorso retorico, dove la costrizione è cercata per legare, assieme agli universali, altresì gli individui, e viene chiamata persuasione, giù sino ai discorsi semplicemente umani, siano essi conversazioni, comandi, informazioni e via dicendo.»
È normale che i pensieri, le parole e i discorsi degli uomini obbediscano a questo intreccio eterogeneo di spunti e cammini espressivi, cosicché una formazione grezza degli universali, una mescolanza caotica del necessario e del contingente nei nessi rappresentativi, la subordinazione di ogni prodotto astratto e discorsivo al propagarsi individuale, al di là della convergenza organica in cui si costituisce, della spinta espressiva primaria - tutto ciò potrà chiamarsi appunto un logos spurio. Se ne raffigurano varie specie, a cominciare dal discorso poetico, dove il potere astraente della parola è contrastato, la costrizione è superata dal giuoco e spesso il diaframma dell'organismo viene anche a cadere, al discorso retorico, dove la costrizione è cercata per legare, assieme agli universali, altresì gli individui, e viene chiamata persuasione, giù sino ai discorsi semplicemente umani, siano essi conversazioni, comandi, informazioni e via dicendo.»
Giorgio Colli, Filosofia dell'Espressione
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Poetry
«With Nietzsche, however, the categories of analysis began to dissolve. The "forms" which Hegel found in history, no less than the "laws" found by Marx, were defined by Nietzsche as nothing but fictions, products of the poetic imagination, more or less useful or convenient for the living of a particular kind of life, but in no way adequate to the discovery of the truth of human life. For Nietzsche, full authority for determining which "forms" and which "laws" will be treated as if they are the "truth" is vested in the sovereign ego or will, which admits no law except its own life interests or will to power. Nietzsche even dissolved the distinction between the Comic and the Tragic kinds: the conventional Ironic kind, which teaches resignation to "things as they are"; and the new, Comic, Apollonian-Dionysiac kind, which teaches a radical overcoming of all situations in the service of the life force alone. In short, Irony is assimilated to Tragedy, and Tragedy to Comedy, in such a way as to make the distinctions between them inconsequential, in the same way that the distinctions among science, philosophy, and poetry are dissolved by their progressive assimilation to the last-named.»
Hayden White, Metahistory, The Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe
Swann
«Mas, mesmo do ponto de vista das coisas mais insignificantes da vida, nós não somos um todo materialmente constituído, idêntico para toda a gente e de quem cada um apenas tenha de tomar conhecimento, como de um cadernos de encargos ou de um testamento; a nossa personalidade social é uma criação do pensamento dos outros. Mesmo o acto tão simples a que chamamos «ver uma pessoa conhecida» é em parte um acto intelectual. Preenchemos a aparência física do ser que vemos com todas as noções que temos sobre ele e, na figura total que imaginamos, esses noções possuem certamente um importante papel. Elas acabam por inchar as faces tão perfeitamente, por acompanhar numa aderência de tal modo exacta a linha do nariz, tratam tão bem de graduar a sonoridade da voz como se esta não passasse de um transparente invólucro, que, de cada vez que vemos este rosto e que ouvimos esta voz, são essas noções que reencontramos, são elas que escutamos. Por certo, no Swann que tinham fabricado, os meus parentes haviam omitido por ignorância a entrada de inúmeras particularidades da sua vida mundana que faziam com que outras pessoas, quando estavam na sua presença, vissem as elegâncias reinarem no seu rosto e deterem-se no seu nariz curvo como sua fronteira natural; mas haviam podido também amontoar naquele rosto desviado do seu prestígio, desocupado e espaçoso, no fundo daqueles olhos depreciados, o vago e doce resíduo - meio memória, meio olvido - das horas ociosas passadas na sua companhia depois dos nossos jantares semanais, em redor da mesa de jogo ou no jardim, durante a nossa vida de boa vizinhança campesina. O invólucro corporal do nosso amigo tinha sido tão bem atestado de tudo isso, assim como de algumas recordações relativas aos seus pais, que aquele Swann se tornara um ser completo e vivo, e tenho a impressão de abandonar uma pessoa para ir para outra dela distinta quando, na minha memória, do Swann que conheci mais tarde com exactidão passo àquele primeiro Swann - àquele primeiro Swann em quem reencontro os encantadores erros da minha juventude, e que aliás se assemelha menos ao outro que às pessoas que conheci pela mesma época, como se a nossa vida fosse como um museu, onde todos os retratos de um mesmo tempo possuem um ar de família, uma mesma tonalidade -, àquele primeiro Swann cheio de vagares, perfumado pelo aroma do grande castanheiro, dos cestos de framboesas e de um raminho de estragão.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, Do Lado de Swann
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
A Mário de Andrade Ausente
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida, para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida, para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue,
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Manuel Bandeira, Belo Belo
sábado, 24 de dezembro de 2011
Silentium Amoris
As often-times the too resplendent sun
Hurries the pallid and reluctant moon
Back to her sombre cave, ere she hath won
A single ballad from the nightingale,
So doth thy Beauty make my lips to fail,
And all my sweetest singing out of tune.
And as at dawn across the level mead
On wings impetuous some wind will come,
And with its too harsh break the reed
Which was its only instrument of song,
So my too stormy passions work me wrong,
And for excess os Love my Love is dumb.
But surely unto Thee mine eyes did show
Why I am silent, and my lute unstrung;
Else it were better we should part, and go,
Thou to some lips of sweeter melody,
And I to nurse the barren memory
Of unkissed kisses, and songs never sung.
Hurries the pallid and reluctant moon
Back to her sombre cave, ere she hath won
A single ballad from the nightingale,
So doth thy Beauty make my lips to fail,
And all my sweetest singing out of tune.
And as at dawn across the level mead
On wings impetuous some wind will come,
And with its too harsh break the reed
Which was its only instrument of song,
So my too stormy passions work me wrong,
And for excess os Love my Love is dumb.
But surely unto Thee mine eyes did show
Why I am silent, and my lute unstrung;
Else it were better we should part, and go,
Thou to some lips of sweeter melody,
And I to nurse the barren memory
Of unkissed kisses, and songs never sung.
Oscar Wilde
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Dedication
«I never thought to amuse a disdainful world;
but friendly interest I do prize;
and I should like to have presented you
with a token worthier of you,
yes, worthier of your noble spirit,
so full of sublime imagination,
of lively, limpid poetry,
of lofty ideas
and of simplicity.
But there it is. Be kind:
accept this batch of patchy chapters,
half-funny abd half-sad,
idealistic, down-to-earth -
the slipshod product of my leisure-hours,
my sleepless nights, my momentary inspirations,
of a life blighted ere its prime,
of a mind's chilling observations,
and of a heart's experience of pain.»
but friendly interest I do prize;
and I should like to have presented you
with a token worthier of you,
yes, worthier of your noble spirit,
so full of sublime imagination,
of lively, limpid poetry,
of lofty ideas
and of simplicity.
But there it is. Be kind:
accept this batch of patchy chapters,
half-funny abd half-sad,
idealistic, down-to-earth -
the slipshod product of my leisure-hours,
my sleepless nights, my momentary inspirations,
of a life blighted ere its prime,
of a mind's chilling observations,
and of a heart's experience of pain.»
Alexander Pushkin, Eugene Onegin
XXXV. Les Fenêtres
«Celui qui regarde du dehors à travers une fenêtre ouverte, ne voit jamais autant de choses que celui qui regarde une fenêtre fermée. Il n'est pas d'objet plus profond, plus mystérieux, plus fécond, plus ténébreux, plus éblouissant qu'une fenêtre éclairée d'une chandelle. Ce qu'on peut voir au soleil est toujours moins intéressant que ce qui se passe derrière une vitre. Dans ce trou noir ou lumineux vit la vie, rêve la vie, souffre la vie.
Par delà des vagues de toits, j'aperçois une femme mûre, ridée déjà, pauvre, toujours penchée sur quelque chose, et qui ne sort jamais. Avec son visage, avec son vêtement, avec son geste, avec presque rien, j'ai refait l'histoire de cette femme, ou plutôt sa légende, et quelquefois je me la raconte à moi-même en pleurant.
Si c'eût été un pauvre vieux homme, j'aurais refait la sienne tout aussi aisément.
Et je me couche, fier d'avoir vécu et souffert dans d'autres que moi-même.
Peut-être me direz-vous: «Es-tu sûr que cette légende soit la vraie?» Qu'importe de que peut être la réalité placée hors de moi, si elle m'a aidé à vivre, à sentir que je suis et ce que je suis?»
Par delà des vagues de toits, j'aperçois une femme mûre, ridée déjà, pauvre, toujours penchée sur quelque chose, et qui ne sort jamais. Avec son visage, avec son vêtement, avec son geste, avec presque rien, j'ai refait l'histoire de cette femme, ou plutôt sa légende, et quelquefois je me la raconte à moi-même en pleurant.
Si c'eût été un pauvre vieux homme, j'aurais refait la sienne tout aussi aisément.
Et je me couche, fier d'avoir vécu et souffert dans d'autres que moi-même.
Peut-être me direz-vous: «Es-tu sûr que cette légende soit la vraie?» Qu'importe de que peut être la réalité placée hors de moi, si elle m'a aidé à vivre, à sentir que je suis et ce que je suis?»
Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Magnanimità
«Io non credo che si trovi in tutte le memorie dell'antichità voce più lacrimevole e spaventosa, e con tutto ciò, parlando umanamente, più vera di quella che Marco Bruto, poco innanzi alla morte, si racconta che proferisse in dispregio della virtù: la qual voce, secondo che è riportata da Cassio Dione, è questa: «O virtù miserabile, eri una parola nuda, e io ti seguiva com tu fossi una cosa; ma tu sottostavi alla fortuna». E comunque Plutarco nella vita di Bruto non tocchi distintamente di questa sentenza, laonde Pier Vettori dubita che Dione in questo particolare faccia da poeta più che da storico, si manifesta il contrario per la testimonianza di Floro, il quale afferma che Bruto vicino a morire proruppe esclamando «che la virtù non fosse cosa ma parola». Quei moltissimi che si scandalezzano di Bruto e gli fanno carico della detta sentenza, danno a vedere l'una delle due cose; o che non abbiano mai praticato familiarmente colla virtù, o che non abbiano esperienza degl'infortuni; il che, fuori del primo caso, non pare che si possa credere. E in ogni modo è certo che poco intendono e meno sentono la natura infelicissima delle cose umane, o si meravigliano ciecamente che le dottrine del Cristianesimo non fossero professate avanti di nascere. Quegli altri che torcono le dette parole a dimostrare che Bruto non fosse mai quell'uomo santo e magnanimo che fu riportato vivendo, e conchiudono che morendo si smascherasse, argomentano a rovescio: e se credono che quelle parole gli venissero dall'animo, e che Bruto, dicendo questo, ripudiasse effettivamente la virtù, veggano come si possa lasciare quello che non s'è mai tenuto, e disgiungersi da quello che s'è avuto sempre discosto. Se non l'hanno per sincere, ma pensano che fossero dette con arte e per ostentazione; primieramente che modo è questo di argomentare dalle parole ai fatti, e nel medesimo tempo levar via le parole come vane e fallaci? Volere che i fatti mentano perché si stima che i detti non suonino allo stesso modo, e negare a questi ogni autorità dandoli per finti? Di poi ci hanno a persuadere che un uomo sopraffatto da una calamità eccessiva e irreparabile; disanimato e sdegnato della vita e della fortuna; uscito di tutti i desiderii, e di tutti gl'inganni delle speranze; risoluto di preoccupare il destino mortale e di punirsi della propria infelicità; nell'ora medesima che esso sta per dividersi eternamente dagli uomini, s'affatichi di correr dietro al fantasma della gloria, e vada studiando e componendo le parole e i concetti per ingannare i circostanti, e farsi avere in pregio da quelli che egli si dispone a fuggire, e in quella terra che se gli rappresenta per odiosissima e dispregevole. Ma basti di ciò.»
Giacomo Leopardi, Scritti d'Amore e di Politica
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Heart and Soul
Instants that can still betray us
A journey that leads to the sun
Soulless and bent on destruction
Struggle between right and wrong
You take my place in the show-down
I'll observe with a pitiful eye
And humbly ask for forgiveness
A request well beyond you and I
Heart and soul, one will burn
An abyss that lasted creation
A circus complete with all fools
Foudations that lasted the ages
Then ripped apart at their roots
Beyond all this good is the terror
The grip of a mercenary hand
When savagery returns for good reason
There's no turning back the last stand
Heart and soul, one will burn
Existence, well what does it matter
I exist on the best terms I can
The past is now part of my future
The present is well out of hand
The present is well out of hand
Heart and soul, one will burn
One will burn, one will burn
Heart and soul, one will burn
A journey that leads to the sun
Soulless and bent on destruction
Struggle between right and wrong
You take my place in the show-down
I'll observe with a pitiful eye
And humbly ask for forgiveness
A request well beyond you and I
Heart and soul, one will burn
An abyss that lasted creation
A circus complete with all fools
Foudations that lasted the ages
Then ripped apart at their roots
Beyond all this good is the terror
The grip of a mercenary hand
When savagery returns for good reason
There's no turning back the last stand
Heart and soul, one will burn
Existence, well what does it matter
I exist on the best terms I can
The past is now part of my future
The present is well out of hand
The present is well out of hand
Heart and soul, one will burn
One will burn, one will burn
Heart and soul, one will burn
Ian Curtis
IX
Depuis un si long temps que nous allions en Ouest, que
savions-nous des choses
périssables?... Et soudain à nos pieds les premières fumées.
- Jeunes femmes! et la nature d'un pays s'en trouve toute
parfumée:
«... Je t'annonce les temps d'une grande chaleur et les
veuves criardes sur la dissipation des morts.
Ceux qui vieillissent dans l'usage et le soin du silence, assis
sur les hauteurs, considèrent les sables
et la célébrité du jour sur les rades foraines;
mais le plaisir au flanc des femmes se compose, et dans nos
corps de femmes il y a comme un ferment de raisin noir, et de
répit avec nous-mêmes il n'en est point.
«... Je t'annonce les temps d'une grande faveur et la félicité
des feuilles dans nos songes.
Ceux qui savent les sources sont avec nous dans cet exil;
ceux qui savent les sources nous diront-ils au soir
sous quelles mains pressant la vigne de nos flancs
nos corps s'emplissent d'une salive? (Et la femme s'est
couché avec l'homme dans l'herbe; elle se lève, met ordre aux
lignes de son corps, et le criquet s'envole sur son aile bleue.)
«... Je t'annonce les temps d'une grande chaleur, et
pareillement la nuit, sous l'aboiement des chiens, trait son
plaisir au flanc des femmes.
Mais l'Étranger vit sous sa tente, honoré de laitages, de
fruits. On lui apporte de l'eau fraîche
pour y laver sa bouche, son visage et son sexe.
On lui mène à la nuit de grandes femmes bréhaignes (ha! plus
nocturnes dans le jour!) Et peut-être aussi de moi tirera-t-il son
plaisir. (Je ne sais quelles sont ses façons d'être avec les femmes.)
«... Je t'annonce les temps d'une grande faveur et la félicité
des sources dans nos songes.
Ouvre ma bouche dans la lumière, ainsi qu'un lieu de miel
entre les roches, et si l'on trouve faute en moi, que je sois
congédié! sinon,
que j'aille sous la tente, que j'aille nue, près de la cruche,
sous la tente,
et compagnon de l'angle du tombeau, tu me verras
longtemps muette sous l'arbre-fille de mes veines... Un lit
d'instances sous la tente, l'étoile verte dans la cruche, et que je
sois sous ta puissance! nulle servante sous la tente que la
cruche d'eau fraîche! (Je sais sortir avant le jour sans éveiller
l'étoile verte, le criquet sur le seuil et l'aboiement des chiens de
toute la terre.)
Je t'annonce les temps d'une grande faveur et la félicité du
soir sur nos paupières périssables...
mais pour l'instant encore c'est le jour!»
- et debout sur la tranche éclatante du jour, au seuil d'un
grand pays plus chaste que la mort,
les filles urinaient en écartant la toile peinte de leur robe.
savions-nous des choses
périssables?... Et soudain à nos pieds les premières fumées.
- Jeunes femmes! et la nature d'un pays s'en trouve toute
parfumée:
«... Je t'annonce les temps d'une grande chaleur et les
veuves criardes sur la dissipation des morts.
Ceux qui vieillissent dans l'usage et le soin du silence, assis
sur les hauteurs, considèrent les sables
et la célébrité du jour sur les rades foraines;
mais le plaisir au flanc des femmes se compose, et dans nos
corps de femmes il y a comme un ferment de raisin noir, et de
répit avec nous-mêmes il n'en est point.
«... Je t'annonce les temps d'une grande faveur et la félicité
des feuilles dans nos songes.
Ceux qui savent les sources sont avec nous dans cet exil;
ceux qui savent les sources nous diront-ils au soir
sous quelles mains pressant la vigne de nos flancs
nos corps s'emplissent d'une salive? (Et la femme s'est
couché avec l'homme dans l'herbe; elle se lève, met ordre aux
lignes de son corps, et le criquet s'envole sur son aile bleue.)
«... Je t'annonce les temps d'une grande chaleur, et
pareillement la nuit, sous l'aboiement des chiens, trait son
plaisir au flanc des femmes.
Mais l'Étranger vit sous sa tente, honoré de laitages, de
fruits. On lui apporte de l'eau fraîche
pour y laver sa bouche, son visage et son sexe.
On lui mène à la nuit de grandes femmes bréhaignes (ha! plus
nocturnes dans le jour!) Et peut-être aussi de moi tirera-t-il son
plaisir. (Je ne sais quelles sont ses façons d'être avec les femmes.)
«... Je t'annonce les temps d'une grande faveur et la félicité
des sources dans nos songes.
Ouvre ma bouche dans la lumière, ainsi qu'un lieu de miel
entre les roches, et si l'on trouve faute en moi, que je sois
congédié! sinon,
que j'aille sous la tente, que j'aille nue, près de la cruche,
sous la tente,
et compagnon de l'angle du tombeau, tu me verras
longtemps muette sous l'arbre-fille de mes veines... Un lit
d'instances sous la tente, l'étoile verte dans la cruche, et que je
sois sous ta puissance! nulle servante sous la tente que la
cruche d'eau fraîche! (Je sais sortir avant le jour sans éveiller
l'étoile verte, le criquet sur le seuil et l'aboiement des chiens de
toute la terre.)
Je t'annonce les temps d'une grande faveur et la félicité du
soir sur nos paupières périssables...
mais pour l'instant encore c'est le jour!»
- et debout sur la tranche éclatante du jour, au seuil d'un
grand pays plus chaste que la mort,
les filles urinaient en écartant la toile peinte de leur robe.
Saint-John Perse, Anabase
domingo, 18 de dezembro de 2011
Sono
«Um homem que dorme tem em círculo à sua volta o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Consulta-os instintivamente ao acordar, e nele lê num segundo o ponto da terra que ocupa, o tempo que decorreu até ao seu despertar; mas as respectivas linhas podem misturar-se, quebrar-se. Basta que, já de manhã, depois de uma insónia qualquer, o sono o invada enquanto lê, numa posição muito diferente daquela em que habitualmente dorme, basta que tenha o braço levantado para deter e fazer recuar o sol, e ao primeiro minuto depois de acordar já não saberá que horas são, julgará que mal acaba de se deitar. Se se deixar dormir numa posição ainda mais deslocada e divergente, por exemplo, sentado num cadeirão depois do jantar, então a perturbação será completa nos mundos desorbitados, o cadeirão mágico fa-lo-á viajar a toda a velocidade no tempo e no espaço e, no momento de abrir as pálpebras, irá julgar-se deitado alguns meses antes noutro país. Mas bastava que, na minha própria cama, o meu sono fosse profundo e me distendesse completamente o espírito; então, este deixava escapar o mapa do lugar onde adormecera e, quando acordava a meio da noite, como não sabia onde estava, ignorava até, no primeiro instante, quem era; tinha apenas, na sua simplicidade primitiva, a sensação da existência como ela pode fremir no fundo de um animal; estava mais carecido que o homem das cavernas; mas então a lembrança - não ainda do lugar onde estava, mas de alguns outros que habitara ou onde poderia estar - ocorria-me como um auxílio vindo do alto para me tirar do nada donde não poderia sair sozinho; passava num segundo por cima de séculos de civilização, e a imagem confusamente entrevista de candeeiros a petróleo, e, depois, de camisas de colarinho revirado, recompunha a pouco e pouco as feições originais do meu eu.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, do Lado de Swann
Serenità
«Qualunque giudizio si porti sull'assenza di passione politica, tante volte notata, biasimata e variamente lumeggiata nel Goethe, mi sarà lecito dire che io ho sentito come singolare ventura che tra i sublimi poeti, fonti perenni di alti conforti, ce ne sia pur uno, il quale, sebbene esperto quanto altri mai in ogni forma di umanità , mantiene l'animo fuori e sopra gli affetti politici e le necessarie contese dei popoli. Questa ventura, com'è noto, non poté godere il nostro Carducci, quando, nell'ansia patriottica, nel furore delle lotte di parte, rivoltosi a commentare il Petrarca («Messer Francesco, a voi per pace io vegno...»), anche dal Canzoniere udí uscire voci che lo riconducevano alle immagini dalle quali cercava stornarsi, gli rinnovavano la puntura che si era provato, per qualche istante, di acchetare.
Rileggendo dunque, in cupi giorni della guerra mondiale, le opere del Goethe, ne trassi lenimento e rasserenamento, quale forse da nessun altro poeta avrei potuto in pari misura; e ciò m'invogliò a mettere in carta alcuni concetti critici che intorno ad esse mi erano risorti spontanei e che mi avevano sempre guidato a bene intenderle.»
Rileggendo dunque, in cupi giorni della guerra mondiale, le opere del Goethe, ne trassi lenimento e rasserenamento, quale forse da nessun altro poeta avrei potuto in pari misura; e ciò m'invogliò a mettere in carta alcuni concetti critici che intorno ad esse mi erano risorti spontanei e che mi avevano sempre guidato a bene intenderle.»
Benedetto Croce, Goethe
sábado, 17 de dezembro de 2011
Conhecimento
«Mas talvez nada embote mais veloz e profundamente um espírito nobre e valoroso do que o charme amargo e afiado do conhecimento; e certo é que a intransigência melancólica e escrupulosa da adolescência se revela superficial quando comparada com a resolução profunda do homem tornado mestre em regenerar a abdicar da erudição, cabeça erguida que dela desvia o olhar, impedindo-a assim de paralisar a vontade, desanimar a acção, aviltar a sensibilidade e mesmo a paixão. De que outro modo se poderia entender o célebre conto «O Miserável», a não ser vendo nele uma manifestação da sua repugnância face ao indecente psicologismo da época, a que deu corpo na figura de um crápula mole e estúpido que usurpa um destino ao lançar a mulher, por impotência, perversão ou veleidade ética, para os braços de um adolescente, julgando-se autorizado a cometer as maiores vilezas sob pretexto da profundidade. A ira com que, pela palavra, condenava aqui o que era condenável anunciava a renúncia à ambiguidade moral, à simpatia pelo abismo, a recusa do axioma frouxo da compaixão, segundo o qual tudo compreender é tudo perdoar, e o que aqui se antecipava, se desvendava por inteiro, mais não era do que aquele «milagre da ingenuidade renascida», sobre o qual, em diálogo posterior, o autor se exprimira intencionalmente e não sem misteriosa entoação. Singulares ligações! Seriam este «renascimento», esta nova dignidade e rigor, a causa espiritual do apuramento quase excessivo do seu sentido estético que nesta mesma altura se fazia observar, da pureza aristocrática, da simplicidade e proporção da forma, que desde então conferiam às suas produções um cunho tão palpável e voluntário de mestria e classicismo? Mas esta resolução moral que transcende o conhecimento, a erudição dissolvente e paralisante - não comportará ela também uma simplificação, um empobrecimento ético do mundo e da alma, e logo também um reforço do mal, do proibido, do que é moralmente inadmissível? E não terá a forma duas faces? Não será ela a um tempo moral e imoral - moral enquanto fruto e expressão da disciplina, mas imoral, e mesmo contra a moral, por naturalmente conter a indiferença, ou melhor, por virtualmente tender a vergar a moral sob o seu ceptro orgulhoso e absoluto?»
Thomas Mann, A Morte em Veneza
sábado, 3 de dezembro de 2011
11. O Tempo não pode medir a eternidade
«Quem afirma tais coisas, ó «Sabedoria de Deus». Luz das inteligências - ainda não compreendeu como se realiza o que se faz por Vós e em Vós. Esforça-se por saborear as coisas eternas, mas o seu pensamento ainda volita ao redor das ideias, ideias da sucessão dos tempos passados e futuros, e, por isso, tudo o que excogita em vão.
A esse quem o poderá prender e fixar para que pare um momento e arrebate um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com o tempo que nunca pára? Compreenderá então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de muitos movimentos passageiros. Ora estes não podem alongar-se simultaneamente.
Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente. Esse tal, verá que o passado é impelido pelo futuro e que todo o futuro está precedido dum passado, e todo o passado e futuro são criados e dimanam d'Aquele que sempre é presente. Quem poderá prender o coração do homem, para que pare e veja como a eternidade imóvel determina o futuro e o passado, não sendo nem passado nem futuro? Poderá, porventura, a minha mão que escreve, explicar isto? Poderá a actividade da minha língua conseguir pela palavra realizar empresa tão grandiosa?»
A esse quem o poderá prender e fixar para que pare um momento e arrebate um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com o tempo que nunca pára? Compreenderá então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de muitos movimentos passageiros. Ora estes não podem alongar-se simultaneamente.
Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente. Esse tal, verá que o passado é impelido pelo futuro e que todo o futuro está precedido dum passado, e todo o passado e futuro são criados e dimanam d'Aquele que sempre é presente. Quem poderá prender o coração do homem, para que pare e veja como a eternidade imóvel determina o futuro e o passado, não sendo nem passado nem futuro? Poderá, porventura, a minha mão que escreve, explicar isto? Poderá a actividade da minha língua conseguir pela palavra realizar empresa tão grandiosa?»
Santo Agostinho, Confissões
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Niilismo
«A era de Nietzsche - «uma vez que o velho Deus abdicou, governarei o mundo doravante» -, a era do niilismo, manifestou-se muito antes do que ele ousara suspeitar. Catorze anos depois da sua morte iniciou-se a Primeira Guerra Mundial. Depois a Europa ficou nas garras do fascismo, do comunismo e nazismo. E sofreu outra guerra. Uma orgia de violência triunfou sobre a verdade, a bondade e a beleza. O ideal de civilização foi desprezado. Dezenas de milhões de pessoas aplaudiram, admiraram e apoiaram a violência. Dezenas de milhões de vidas foram aniquiladas. O niilismo acaba sempre, inevitavelmente, em violência e aniquilação.
O niilismo começa sempre - a lúcida análise de Nietzsche não deixa margem para qualquer equívoco neste aspeto - por roubar à existência humana a possibilidade de elevar o ser acima da sua natureza animal. Este roubo da eternidade como do espírito dota a humanidade com a nobreza que permite a cada pessoa ser a imagem de valores universais e intemporais. Com este roubo começa a «reavaliação de todos os valores» assim como a distorção de todo o significado que Sócrates previu. A liberdade - difícil e trágica liberdade - já não é mais o espaço de que o indivíduo necessita para praticar a aquisição da dignidade humana; é antes a perda dessa dignidade a favor da idolatria do ideal animal: tudo é permitido. O significado é desconhecido, o sentimento é substituído pelo objetivo. Experiências «divertidas» e «saborosas» substituem o conhecimento do bem e do mal. Porque o eterno não existe, tudo tem de ser agora, novo e rápido. ninguém pode ser mais sábio, portanto todos têm razão. Todos são o mesmo, portanto o que é difícil é antidemocrático. A arte transforma-se em entretenimento, e a fama das coisas ou das gentes é importante. A declaração de Gracian de que o peso material determina o valor do ouro mas o peso moral determina o valor humano é posta às avessas. A moral? A cada um a sua moral! A matéria reina e, em todos os pequenos deuses que se pavoneiam, o ouro é a divindade suprema. O que é bom para o ouro é bom para ti. Portanto, comercializa-te! Adapta-te! Tudo o que te tornar mais rico é útil, e o que, ou quem, não for divertido, não for delicioso, é de facto inútil, pode desaparecer. Toda a gente por si, e ninguém por todos nós.
É este niilismo da sociedade de massas que, como um cancro, ataca a civilização, o tecido conectivo da ordem social, e o destrói. O que resta sem esse tecido é uma quantidade ilimitada de indivíduos separados que no fim procuram destruir-se uns aos outros porque já não estão unidos por um valor universal mas seduzidos pela ideia de «eu sou livre, portanto tudo é permitido». Resta-nos saber em que medida a sociedade ocidental está invadida por este niilismo. A questão mais importante é: de onde veio este niilismo?»
O niilismo começa sempre - a lúcida análise de Nietzsche não deixa margem para qualquer equívoco neste aspeto - por roubar à existência humana a possibilidade de elevar o ser acima da sua natureza animal. Este roubo da eternidade como do espírito dota a humanidade com a nobreza que permite a cada pessoa ser a imagem de valores universais e intemporais. Com este roubo começa a «reavaliação de todos os valores» assim como a distorção de todo o significado que Sócrates previu. A liberdade - difícil e trágica liberdade - já não é mais o espaço de que o indivíduo necessita para praticar a aquisição da dignidade humana; é antes a perda dessa dignidade a favor da idolatria do ideal animal: tudo é permitido. O significado é desconhecido, o sentimento é substituído pelo objetivo. Experiências «divertidas» e «saborosas» substituem o conhecimento do bem e do mal. Porque o eterno não existe, tudo tem de ser agora, novo e rápido. ninguém pode ser mais sábio, portanto todos têm razão. Todos são o mesmo, portanto o que é difícil é antidemocrático. A arte transforma-se em entretenimento, e a fama das coisas ou das gentes é importante. A declaração de Gracian de que o peso material determina o valor do ouro mas o peso moral determina o valor humano é posta às avessas. A moral? A cada um a sua moral! A matéria reina e, em todos os pequenos deuses que se pavoneiam, o ouro é a divindade suprema. O que é bom para o ouro é bom para ti. Portanto, comercializa-te! Adapta-te! Tudo o que te tornar mais rico é útil, e o que, ou quem, não for divertido, não for delicioso, é de facto inútil, pode desaparecer. Toda a gente por si, e ninguém por todos nós.
É este niilismo da sociedade de massas que, como um cancro, ataca a civilização, o tecido conectivo da ordem social, e o destrói. O que resta sem esse tecido é uma quantidade ilimitada de indivíduos separados que no fim procuram destruir-se uns aos outros porque já não estão unidos por um valor universal mas seduzidos pela ideia de «eu sou livre, portanto tudo é permitido». Resta-nos saber em que medida a sociedade ocidental está invadida por este niilismo. A questão mais importante é: de onde veio este niilismo?»
Rob Riemen
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