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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Memória

«Sem o saber nem o querer - respondeu Carlota - o senhor deu à nossa conversa uma volta inteiramente favorável à  minha tese. Mas a efígie do homem é, sem dúvida,  muito independente; onde quer que esteja, está para si só, e não vamos pedir-lhe que nos indique o verdadeiro sepulcro. Mas quer que lhe confesse um estranho sentimento? Até pelas estátuas experimento uma certa aversão; pois sempre me pareceu que me dirigem uma tácita censura; evocam um remoto passado e recordam-me  como é difícil honrar devidamente o presente. Quando recordamos os seres que vimos e conhecemos e confessamos quão pouco fomos para eles, quão pouco foram eles para nós, pomo-nos de tão mau humor! Encontramo-nos com um homem engenhoso e nem lhe falamos; com um homem sabedor e não procuramos aprender com ele; com um homem que conhece o mundo e não queremos o seu conselho; com um homem afável sem sequer o cumprimentarmos. E, por desgraça, não acontece assim unicamente com os que vão de passagem. Sociedades e famílias conduzem-se de modo exactamente igual com os seus mais queridos membros; as cidades com os seus cidadãos mais dignos; os povos com os seus melhores príncipes; as nações com os seus homens mais ilustres. Ouvi uma vez perguntar porque se diz dos mortos tanto bem e dos vivos se fala sempre com receio. E a resposta foi: porque dos mortos não há nada que temer ao passo que os vivos podemos encontrá-los no caminho. Pois imoral é também preocupar-se alguém com a memória dos outros; a maioria das vezes não passa de uma distracção egoísta quando, pelo contrário, deveria ser coisa sagrada manter sempre vivas e activas as nossas relações com os sobreviventes.»

Goethe, As Afinidades Electivas

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