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sábado, 5 de novembro de 2011

Bem e Mal

«Sabemos que o bem e o mal crescem juntos neste mundo numa quase inextricável mistura; e o conhecimento do bem está tão associado e interligado ao conhecimento do mal, tornando-se, com tantas semelhanças traiçoeiras, tão difícil discernir entre ambos, que nem aquela confusão de sementes que a Psique se viu incessantemente obrigada a joeirar e separar estaria mais caldeada. Foi da casca de uma maçã trincada que o conhecimento do bem e do mal, como um par de gémeos colados entre si, saltou para este mundo. E talvez a maldição em que Adão incorreu ao conhecer o bem e o mal tenha sido justamente essa, conhecer o bem através do mal. Considerando pois a presente condição do homem, que sabedoria pode haver na escolha, que continência na abstenção, sem o conhecimento do mal? Só aquele que é capaz de entender e considerar o vício em todas as suas seduções e aparentes prazeres, e todavia abster-se, todavia distinguir, todavia preferir o que é verdadeiramente melhor, só esse está no caminho certo para se tornar um cristão autêntico.
Não posso louvar uma virtude esquiva e enclausurada, ancilosa e abafada, que nunca avança e enfrenta o seu adversário, antes abandona furtivamente a competição em que aquela imortal coroa de louros é o troféu a conquistar, por entre lama e suor. A verdade é que, muito mais do que inocência, o trazemos é impureza a este mundo. São as provações que nos purificam, e o que nos põe à prova é o que nos é adverso. Essa virtude feita criança na contemplação do mal, que não conhece tudo o que o vício promete aos seus adeptos para só então o rejeitar, não passa, pois, de uma virtude oca e inautêntica. A sua brancura é apenas excrementícia. Eis a razão porque o nosso sábio e circunspecto poeta Spencer, que me atrevo a considerar melhor professor que Escoto ou Aquino, ao descrever a verdadeira temperança na personagem de Guion, fá-lo atravessar com o seu romeiro a caverna de Mamona e a morada da felicidade terrena, para que ele as possa ver e conhecer e, no entanto, abster-se. Uma vez, pois, que o conhecimento e a investigação do vício neste mundo são tão necessários para a constituição da virtude humana quanto o exame do erro para a confirmação da verdade, como poderemos nós com maior segurança e menor perigo explorar as regiões do pecado e da falsidade do que lendo todo o tipo de tratados e escutando todo o género de argumentos? É esse o benefício que podemos obter da leitura ecléctica de livros.»

John Milton, Areopagítica, Discurso sobre a liberdade de expressão  

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