Não posso louvar uma virtude esquiva e enclausurada, ancilosa e abafada, que nunca avança e enfrenta o seu adversário, antes abandona furtivamente a competição em que aquela imortal coroa de louros é o troféu a conquistar, por entre lama e suor. A verdade é que, muito mais do que inocência, o trazemos é impureza a este mundo. São as provações que nos purificam, e o que nos põe à prova é o que nos é adverso. Essa virtude feita criança na contemplação do mal, que não conhece tudo o que o vício promete aos seus adeptos para só então o rejeitar, não passa, pois, de uma virtude oca e inautêntica. A sua brancura é apenas excrementícia. Eis a razão porque o nosso sábio e circunspecto poeta Spencer, que me atrevo a considerar melhor professor que Escoto ou Aquino, ao descrever a verdadeira temperança na personagem de Guion, fá-lo atravessar com o seu romeiro a caverna de Mamona e a morada da felicidade terrena, para que ele as possa ver e conhecer e, no entanto, abster-se. Uma vez, pois, que o conhecimento e a investigação do vício neste mundo são tão necessários para a constituição da virtude humana quanto o exame do erro para a confirmação da verdade, como poderemos nós com maior segurança e menor perigo explorar as regiões do pecado e da falsidade do que lendo todo o tipo de tratados e escutando todo o género de argumentos? É esse o benefício que podemos obter da leitura ecléctica de livros.»
John Milton, Areopagítica, Discurso sobre a liberdade de expressão
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