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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Clássicos

«É clássico o que persistir como ruído de fundo mesmo onde dominar a actualidade mais incompatível.

Resta o facto  de que ler os clássicos parece estar em contradição com o nosso ritmo de vida, que não conhece tempos longos, nem a respiração do otium humanista; e também parece estar em contradição com o ecletismo da nossa cultura que não saberia redigir um catálogo da classicidade que sirva para o nosso caso.
Eram as condições que se realizavam em pleno para Leopardi, dada a sua vida sob a égide paterna, o culto da antiguidade grega e latina e a formidável biblioteca que lhe foi transmitida pelo pai Monaldo, tendo anexa a literatura italian completa, mais a francesa, excluindo romances e em geral novidades editoriais, relegadas quando muito para a margem, para conforto da irmã («o teu Stendhal» escrevia ele a Paolina). Até as suas vivíssimas curiosidades científicas e históricas. Giacomo satisfazia-as em textos que nunca eram demasiado up to date: os hábitos das aves em Buffon, as múmias de Frederico Ruysch em Fontenelle, a viagem de Colombo em Robertson.

Hoje é impensável uma educação clássica como a do jovem Leopardi, e sobretudo a biblioteca do conde Monaldo ardeu. Os velhos títulos foram dizimados mas os novos multiplicaram-se proliferando em todas as literaturas e culturas modernas. Só resta inventar cada um uma biblioteca ideal dos nossos clássicos; e diria que ela teria de ser constituída metade por livros que já lemos e que foram importantes para nós, e metade por livros que nos propomos ler e pressupomos que sejam importantes. E deixando uma secção de lugares vazios para as surpresas, para as descobertas ocasionais.
Reparo que Leopardi é o único nome da literatura italiana que citei. Efeitos do incêndio da biblioteca. Agora deveria reescrever todo o artigo tornando bem claro que os clássicos servem para compreender quem somos e aonde chegámos e por isso os italianos são indispensáveis precisamente para os compararmos com os estrangeiros, e os estrangeiros são indispensáveis precisamente para os compararmos com os italianos.
Depois deveria reescrevê-lo mais uma vez para não se pensar que os clássicos devem ser lidos porque «servem» para alguma coisa. A única razão que se pode aduzir é que ler os clássicos é melhor que não ler os clássicos.
E se alguém objectar que não vale a pena ter tanto trabalho, citarei Cioran (não é um clássico, pelo menos por agora, mas sim um pensador contemporâneo que só neste momento se começa a traduzir em Itália): «Enquanto lhe preparavam a cicuta, Sócrates pôs-se a aprender uma ária na flauta. "Para que te servirá?" perguntaram-lhe. "Para saber esta ária antes de morrer"».»

Italo Calvino, Porquê Ler Os Clássicos (1981)

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