Ora, nada impede um ortodoxo de ser um homem de um tal amor. Ao contrário, tudo o impele a sê-lo e na realidade não será um autêntico ortodoxo se não for o homem desse amor a uma verdade na qual consente em se perder por se reconhecer nela a sua própria verdade. Quem quer salvar a sua alma perdê-la-á. O amor é sempre esta perda e esta salvação, todo e qualquer amor desde o mais simples amor de homem e mulher ao amor de Deus.
Todos os caminhos são bons e o homem livre neles se o amor conduz a eles e eles ao amor. À heterodoxia de conteúdo expectante e neutro, a esta partida para as estrelas para de lá pesar em balanças invisíveis as verdades humanas, convém substituir uma heterodoxia da humanidade, do simples fervor humano de contribuir com amigos e inimigos para luta inacabada e talvez inacabável da cidade da paz possível. Dizer não àqueles que já não vêem a salvação senão no recurso à universal violência, insensata e cósmica para salvar um mundo que não merece ser salvo por tal preço e talvez por nenhum preço; dizer sim ao próximo em sua imediata aflição e estender à nossa volta, se a coragem e o fervor não nos faltarem, o espírito da comunidade de destino humano, tal me parece hoje ser o conteúdo de uma liberdade actuante e viva.»
Eduardo Lourenço, Heterodoxias
Sem comentários:
Enviar um comentário