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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

407.

«Deus criou-me para criança, e deixou-me sempre criança. Mas por que deixou que a Vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mão tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas? Se eu não poderia viver senão acarinhado, por que deitaram fora o meu carinho? Ah, cada cada vez que vejo nas ruas uma criança a chorar, uma criança exilada dos outros, dói-me mais que a tristeza da criança o horror desprevenido do meu coração exausto. Doo-me com toda a estatura da vida sentida, e são minhas as mãos que torcem o canto do bibe, são minhas as bocas tortas das lágrimas verdadeiras, é minha a fraqueza, é minha a solidão, e os risos da vida adulta que passa usam-me como luzes de fósforos riscados no estofo sensível do meu coração.»

Fernando Pessoa / Bernardo Soares, Livro do Desassossego 

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