O ser especial é absolutamente insubstancial. Não tem lugar próprio, mas acontece a um sujeito e está neste como um habitus ou um modo de estar, como a imagem está no espelho.
A espécie de cada coisa é a sua visibilidade, isto é, a sua pura inteligibilidade. Especial é o ser que coincide com o seu tornar-se visível, com a sua revelação.
O espelho é o lugar onde descobrimos que temos uma imagem e, ao mesmo tempo, que essa imagem pode ser separada de nós, que a nossa "espécie", ou imago, não nos pertence. Entre a percepção da imagem e o reconhecermo-nos nela medeia um intervalo, a que os poetas medievais chamavam amor. O espelho de Narciso é, neste sentido, a fonte do amor, a experiência inaudita e feroz de que a imagem é, e não é, a nossa imagem.
Abolindo o intervalo, se nos reconhecermos como não sendo - nem que seja por um instante - desconhecidos e amados na imagem, isso significa que já não podemos amar, acreditar que somos donos da própria espécie, coincidir com esta. Se se prolongar, indefinidamente, o intervalo entre a percepção e o reconhecimento, a imagem é interiorizada como fantasma e o amor cai na psicologia.»
Giorgio Agamben, Profanações
Sem comentários:
Enviar um comentário