Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

domingo, 7 de outubro de 2012

«Em alto mar, quando se encontra o Holandês Voador e sobrevém o inevitável naufrágio, manda a tradição que o marinheiro, para se salvar, se agarre à figura de proa. Eurídice não se vira, ondeia nas águas em tempestade olhando atónita e provocatória para o vazio do céu, do mar, não para Orfeu agarrado às suas saias. Quantas Eurídices, no meio de figuras de proa. O seio aflora e desaparece no peplo e no escuro; o fundo escuro das águas espera por eles. Eu, agarrando-me a ela, salvei-me. Queria levá-la comigo para casa, como tantos outros marinheiros fizeram, talvez até colocá-la sobre o meu sepulcro, apesar de os sacerdotes resmungarem e porem entraves, por não quererem em terra sagrada aquelas mulheres seminuas. O mar arrastou para a costa tantas figuras de proa, mas não Maria. Aliás, arrastou-a também a ela, mas depois de uma longuíssima viagem por todos os oceanos, até ao outro cabo do mundo, até aqui abaixo, doutor, uma viagem que corrói e desgasta dia após dia e onde se chega desfeito.»

Claudio Magris, Às Cegas

Sem comentários: