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quinta-feira, 1 de abril de 2021

 No texto «Sobre a linguagem em geral e a linguagem humana» (...), a essência linguística do ser humano é a nomeação, a qual acaba por coincidir com a sua essência espiritual. Isto é, o homem manifesta a sua compreensão através do poder que tem de dar nomes, pelos quais reconhece a irradiação expressiva dos seres, a sua magia, como Benjamin lhe chama.
O nome dá conta dos seres com todas as suas manifestações imediatas. Como é que uma árvore se manifesta imediatamente? Pela sua morfologia, pela sua resistência ao vento, pelo crescimento das folhas, pelo crescimento dos frutos, pela sombra que dá. Como é que nós utilizamos uma árvore? Descansando à sua sombra, comendo os seus frutos, arrancando os seus ramos para nos aquecermos, deitando-a abaixo para a transformar em madeira com vista à construção de casas, de pontes (nalgumas destas acções podemos observar uma superação do utilitarismo). Mas aí a linguagem da árvore tornou-se em grande parte indirecta (embora comer os frutos e descansar à sombra ainda mantenham a irradiação expressiva da árvore). Ela só se manifesta de maneira imediata quando está íntegra, quando se mantém enquanto tal. A partir do momento em que é transformada, a sua linguagem foi traduzida sob forma utilitária. Mas também pode ser transformada sob forma artística. E no caso artístico, nos melhores casos artísticos, parece que subitamente percebemos o que é uma árvore ou, indirectamente, percebemos o que é a madeira ou o que é uma pedra.
É preciso ainda assinalar um aspecto muito importante em «Sobre a linguagem em geral e a linguagem humana», e para o qual Benjamin adverte o leitor: não se trata de exegese do texto bíblico. Apesar de não ser crente, a tradição que ele tem à mão é a tradição em que foi educado - o texto do Antigo Testamento fornece-lhe o quadro segundo o qual, de acordo com as suas palavras, pode compreender a linguagem nas suas aporias. E como é que a linguagem nas suas aporias é compreendida a partir do Génesis? No contexto da criação, Deus disse: faça-se isto. E achou que era bom. A linguagem divina é criadora: dita a palavra luz, a luz aparece. Em relação ao homem, porém, Deus não disse: faça-se o homem, mas molda-o a partir do barro, a partir da terra. Esta versão é a mais antiga. Não será de mais sublinhar que Benjamin pensa o ser humano como um ser que pertence à Terra. A Terra é a Terra dos homens e nenhuma argumentação permitirá superar tal evidência. Digamos, o homem é feito de terra e a Terra está ao cuidado do homem. E como é que se vê isto no Antigo Testamento? Pelo movimento divino de prescindir da palavra em relação ao homem: Deus não diz: faça-se o homem, molda o homem com a terra dando-lhe essa vocação de pertença à Terra e, ao mesmo tempo, libertando a palavra no homem. É o homem agora que terá de falar. Passando a palavra de Deus para o homem, passa de criadora a nomeadora. Em resumo: a essência espiritual do homem é aquilo que constitui e exprime o ser humano em relação a tudo o que há, incluindo aquele que é a fonte do dom da vida, aquele a quem se dirige a palavra, aquele que não será nomeado, Deus. A linguagem humana dirige-se para a sua fonte, não é criadora - isto é muito importante, porque evita qualquer tentação de idolatria.

O Químico e o alquimista, Benjamin, Leitor de Baudelaire, Maria Filomena Molder


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