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Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

O Último Dia

 Estava o dia nublado. Ninguém se resolvia
soprava um vento ligeiro: «Não é o grego é o
            siroco» disse alguém.
Alguns ciprestes esguios cravados na encosta e o 
            mar
cinzento com lagoas luminosas, mais além.
Os soldados apresentavam armas quando começou a chuviscar.
«Não é o grego é o siroco» a única resolução que
           se ouviu.
Todavia sabíamos que na alba seguinte não nos restaria
mais nada, nem a mulher bebendo ao nosso lado o sono
nem a memória de que fomos homens alguma vez,
mais nada na alba seguinte.

«Esta vento traz à mente a primavera» dizia a amiga
caminhando a meu lado olhando para longe «a primavera
que de repente caiu no inverno perto do mar fechado.
Tão inesperadamente. Passaram tantos anos. Como vamos
           morrer?»

Uma marcha fúnebre vagueava por entre a chuva miudinha.

Como morre um homem? Estranho ninguém refletiu
          nisso.
E os que pensaram nisso era como memória de crónicas
          velhas
da época dos cruzados ou da - em Salamina - batalha
          naval.
Todavia a morte é algo que é feito; como morre
          um homem?
Todavia alguém ganha a sua morte, a sua própria morte,
          que não pertence a nenhum outro
e este jogo é a vida.
Baixava a luz por sobre o dia nublado, ninguém se
          resolvia.
Na alba seguinte não nos restaria nada; tudo entregue;
          nem sequer as nossas mãos;
e as nossas mulheres trabalhando para outros nos fontanários e
          os nossos filhos
nas pedreiras.
A minha amiga cantava caminhando a meu lado
          uma canção amputada:
«Na primavera, no verão, escravos...»
Lembrávamo-nos de mestres anciãos que nos deixaram 
          órfãos.
Um casal passou a conversar:
«Fartei-me do crepúsculo, vamos para casa
vamos para casa acender a luz.»

Yorgos Seferis (trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)  

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