Este estado de coisas não está muito longe dos problemas de escritores como Tolstói, em que o artista luta com o pregador; o grande introvertido com o vigoroso extrovertido. Tolstói tinha decerto a noção de que nele como em muitos outros escritores se travava a luta entre a solidão criativa e o desejo de associação com o resto da humanidade - a batalha entre o livro e o bando. Em termos tolstoianos, nos símbolos da filosofia tardia de Tolstói depois de terminada Anna Karénina, a solidão criativa tornou-se sinónimo de pecado: era egoísmo, era mimar-se a si próprio e, portanto, pecado. Reciprocamente, a ideia de toda a humanidade era em termos tolstoianos a ideia de Deus: Deus está no homem e Deus é amor universal. E Tolstói defendia a perda da personalidade de cada um neste amor universal. Sugeriu, por outras palavras, que na luta pessoal entre o artista sem deus e o homem devoto, este último devia ganhar se o homem-síntese deseja ser feliz.
Devemos ter uma visão lúcida destes factos espirituais de modo a apreciar a filosofia da história A Morte de Ivan Iliitch. Ivan é obviamente John em russo, e John em hebraico significa Deus é Bom, Deus é Gracioso. Sei que não é fácil para quem não fala Russo pronunciar o patronímico Iliitch, que obviamente significa filho de Ilya, a versão russa do nome Elias ou Elijah, que, significa, a propósito, Jeová é Deus, em hebraico. Ilya é um nome comum na Rússia, que se pronuncia de um modo muito aproximado ao il y a francês; e Iliitch pronuncia-se Ill-Itch - os males e comichões da vida mortal.»
Vladimir Nabokov, «Posfácio» a A Morte de Ivan Iliitch, de Lev Tolstói
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