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sábado, 24 de setembro de 2011

Introversão e extroversão

«Em todas as pessoas desenrola-se, em maior ou menor grau, uma luta entre duas forças: o desejo de privacidade e a vontade de conhecer novos lugares: a introversão, ou seja, o interesse dirigido para o próprio e para a vida interior de pensamento e desejo vigorosos; e a extroversão, o interesse dirigido para fora, para o mundo exterior de pessoas e valores tangíveis. Vejamos um exemplo simples: o académico - e por académico refiro-me tanto a professores como a estudantes universitários - pode por vezes apresentar ambos os aspectos. Pode ser um rato de biblioteca e pode também ser sociável e o rato de biblioteca e o sociável podem lutar dentro de um mesmo homem. Um estudante que obtenha ou deseje obter prémios por conhecimento adquirido pode também desejar, ou pode ser esperado dele que deseje, prémios por aquilo a que chamamos capacidade de liderança. Temperamentos diferentes tomam decisões diferentes, claro, e há mentes em que o mundo interior triunfa de forma persistente sobre o exterior, e vice-versa. Mas temos de ter em conta o próprio facto de que existe ou pode existir uma luta entre as duas versões do homem num mesmo homem - introversão e extroversão. Conheci estudantes que na busca da vida interior, na ardente busca de conhecimento, de um assunto favorito, tiveram de tapar os ouvidos com as mãos para calar o barulho constante da vida de residência universitária; mas ao mesmo tempo estariam cheios de um desejo gregário de se juntarem à diversão, de ir à festa ou à reunião, de trocar o livro pelo bando.
Este estado de coisas não está muito longe dos problemas de escritores como Tolstói, em que o artista luta com o pregador; o grande introvertido com o vigoroso extrovertido. Tolstói tinha decerto a noção de que nele como em muitos outros escritores se travava a luta entre a solidão criativa e o desejo de associação com o resto da humanidade - a batalha entre o livro e o bando. Em termos tolstoianos, nos símbolos da filosofia tardia de Tolstói depois de terminada Anna Karénina, a solidão criativa tornou-se sinónimo de pecado: era egoísmo, era mimar-se a si próprio e, portanto, pecado. Reciprocamente, a ideia de toda a humanidade era em termos tolstoianos a ideia de Deus: Deus está no homem e Deus é amor universal. E Tolstói defendia a perda da personalidade de cada um neste amor universal. Sugeriu, por outras palavras, que na luta pessoal entre o artista sem deus e o homem devoto, este último devia ganhar se o homem-síntese deseja ser feliz.
Devemos ter uma visão lúcida destes factos espirituais de modo a apreciar a filosofia da história A Morte de Ivan Iliitch. Ivan é obviamente John em russo, e John em hebraico significa Deus é Bom, Deus é Gracioso. Sei que não é fácil para quem não fala Russo pronunciar o patronímico Iliitch, que obviamente significa filho de Ilya, a versão russa do nome Elias ou Elijah, que, significa, a propósito, Jeová é Deus, em hebraico. Ilya é um nome comum na Rússia, que se pronuncia de um modo muito aproximado ao il y a francês; e Iliitch pronuncia-se Ill-Itch - os males e comichões da vida mortal.»

Vladimir Nabokov, «Posfácio» a A Morte de Ivan Iliitch, de Lev Tolstói   

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