O desacordo entre alguém que vai directamente ao encontro da palavra e alguém que vai ao encontro de particularidades da palavra, parece ser o centro do problema da distinção entre “uso” e “menção”. As confusões resultantes do confronto destas duas palavras emergem por exemplo da distinção entre nome e coisa em si. Com efeito, quando falamos de menção referimo-nos a descrições, erróneas ou verdadeiras, de coisas; quando falamos de uso, estamos a ter em consideração a coisa, aquilo a que nos referimos especificamente. Deste modo, à menção estará associada a ideia de uma intencionalidade particular, que, por si, é susceptível de criar ambiguidade, uma intencionalidade que apenas naquele que enuncia um discurso é susceptível de encontrar uma justificação. Por sua vez a nomeação, enquanto uso de uma coisa em si, centra-se no objecto observado, em concreto, na sua especificidade particular e geral. Pelos motivos apresentados podemos, então, verificar a relação que pode ser estabelecida entre um rótulo e aquilo a que o rótulo alude. Não sendo necessário que o rótulo espelhe aquilo a que se refere, ele é uma forma de apresentação intencional, que apresenta características particulares da coisa rotulada, não a referindo, contudo, naquilo que ela é em si mesma, mas, partindo de uma característica particular dela extraída, a caracteriza numa determinada perspectiva.
Mesmo correndo o risco de não ser muito exacto, julgo que, num certo sentido, o exemplo das ocorrências habituais da expressão “o material tem sempre razão”, pode ilustrar o que acabo de afirmar. Todos nós já ouvimos em determinadas circunstâncias alguém dizer que “o material tem sempre razão”, nomeadamente quando numa oficina, o mecânico nos explica a razão de um determinado problema no automóvel. Dizer-se que “o material tem sempre razão”, entendido como dizer-se, por exemplo, que “o tubo de escape tem sempre razão”, implica ter em consideração a coisa em si, o tubo de escape, sendo que, no momento em que o mecânico se refere a esta peça do automóvel, não está senão a referir-se a ela especificamente, enquanto origem de um problema. De outro modo, a circunstância de um automóvel circular com um tubo de escape deteriorado suscita, pelo menos o incómodo da vizinhança. O ruído provocado por um tubo de escape estragado pode, em si, sugerir a nomeação do problema através de uma menção, imaginando que, em virtude de o sr. Alfredo ter o tubo de escape do seu automóvel estragado, alguns vizinhos terem passado a referir-se a ele como o “escapes”, ou mesmo a chamar-lhe “escapes”, estabelecendo, deste modo, uma maneira de o mencionarem. Nesse sentido, quando alguém, aludindo ao sr. Alfredo, se refere ao “escapes”, não está a fazer mais do que a apresentar uma designação intencional que apenas é susceptível de ser representada pelo sr. Alfredo.
A um outro nível, podemos imaginar que, com o tempo, a menção “escapes” se possa estender a outras situações e que se venha a tornar, no contexto do sr. Alfredo e dos seus vizinhos, sinónimo de alguém que tem o tubo de escape estragado e, deste modo, apesar de reveladora de uma gramaticalidade questionável, uma afirmação como “o “escapes” vai amanhã ao dentista”, adquire um valor particular que a torna compreensível por todos e cuja tradução se encontra implícita no modo como a palavra “escapes” é utilizada.
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