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sábado, 19 de dezembro de 2009

Ampulheta

Imaginei uma ampulheta. Uma ampulheta que media a duração do sono de Alice. Nunca no texto se fala dessa ampulheta e só Alice a conhece. Imaginei esta ampulheta a partir daquilo que, durante a discussão, foi dito sobre “sobrevivência”. Porque sabe da sua existência (da ampulheta), Alice reconhece que o seu tempo de sono está a terminar e, por esse motivo, sabe que tem de acabar com o “recreio” e dar um “murro na mesa”. O tribunal em que Alice se encontra é o melhor dos tribunais, na sua perspectiva, na medida em que, dando a possibilidade a outrem de se sentir juiz, é ela quem de facto determina a sentença final e escolhe o momento para o fazer. Alice é a dona do recreio. É no exercício deste papel que ela reconhece o momento em que tem de intervir de forma a garantir a sua sobrevivência.
A propósito de sobrevivência e interpretação, o colega Pedro (não estou certo que seja este o seu nome), apresentou o exemplo daquilo que decorre de um combate de boxe. Na sua perspectiva, durante um combate de boxe não será possível interpretar o que acontece, na medida em que, ao fazê-lo o pugilista perde o momento e arrisca-se a perder. Eu próprio sugeri a possibilidade de fazer uma antecipação do combate, em termos estratégicos, parecendo-me que, ao proceder-se deste modo, se estará a interpretar por antecipação. Será que podemos interpretar por antecipação?
Como o pugilista, Alice, neste sentido, aproxima-se mais de uma posição em que tem de reagir a acontecimentos imediatos. A táctica do pugilista é ditada previamente, perante o estudo do adversário; a táctica de Alice parece resultar desse facto singular que consiste em ela ser a única criatura que tem conhecimento da ampulheta.
Julgo, então, ter compreendido o sentido das palavras do colega Nuno, quando afirmou que Alice não interpreta os poemas que vão surgindo ao longo da obra. Eu também sinto alguma dificuldade em assumir desde logo uma aproximação entre respostas imediatas a estímulos e interpretações. Mesmo que essas respostas imediatas a estímulos possam envolver uma leitura dos acontecimentos a partir da história pessoal de cada um.
Por esse motivo sugeri a ideia de intuição.
De qualquer maneira, julgo que a discussão mantida ao longo da sessão não terá andado longe de se tentar perceber afinal de contas de que ferramentas nos podemos ou devemos servir quando interpretamos. Mais do que saber das maneiras que podemos ter de interpretar textos, julgo que foi de ferramentas que podemos usar para interpretar que andámos à procura.
Alice, pelo contrário, parece saber que, para interpretar, apenas precisa de uma ampulheta.

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