«- e também sabia que nessa verdade residia o dever de toda a arte, o dever que se reconhece a si próprio de achar a verdade e de exprimir a verdade, dado como tarefa ao artista, para que a alma, realizando o grande equilíbrio entre o eu e o universo, percebendo no seu auto-reconhecimento que o aprofundar do eu era um crescimento da substância do universo, do mundo, especialmente da humanidade, e muito embora esta crescimento duplo tenha sido apenas simbólico, preso de antemão ao simbolismo do belo, ao simbolismo do limite do belo, muito embora fosse uma simples percepção simbólica, foio precisamente através disso que lhe foi permitido alargar os intransponíveis limites interiores e exteriores da existência até uma nova realidade, alargando-os não apenas até uma forma nova mas até ao novo conteúdo da realidade, que se revelou o segredo da correlação, a relação mútua existente entre as realidades do eu e do mundo, o que atribuiu ao símbolo a nitidez do acerto e o elevou à altura da imagem da verdade, correlação que gera a verdade, da qual provém toda a criação da realidade, avançando, tacteante, intuitivamente, através das camadas sucessivas, até às inacessíveis, escuras regiões do início e do fim, avançando até à insondável zona divina do universo, do mundo, da alma do próximo, avançando até ao último esconderijo de deus, que, pronto a ser descoberto e despertado, se encontra em todo o lado, mesmo na alma mais perversa - isto, a descoberta do divino através do conhecimento introspectivo da própria alma é a tarefa humana da arte, a sua tarefa em favor da humanidade, a sua tarefa de conhecimento, e justamente por isso, a sua razão de ser, demonstrada através da proximidade da morte, porque só nessa proximidade se pode tornar verdadeira arte, assim se desdobrando num símbolo de alma humana; na verdade, isso ele sabia,»
Hermann Broch, A Morte de Virgílio
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