Não se esqueçam de uma energia bruta e de uma certa
maneira delicada de colocá-la no «espaço»
ponham-na a andar a correr a saber
sobre linhas curvas e linhas rectas «fulminantes»
ponham-na sobre patins com o stique e a bola como
«ponto de referência» ou como «pretexto espaço-tempo»
para aplicação da dança
experimentem uma ou duas vezes ou três reter
determinada
«imagem» e
metam-na «para dentro» assim imóvel
e fiquem parados «aí» com a imagem parada talvez
brilhando
é qualquer coisa como uma sagrada suspensão
e abrindo os olhos então o jogo retoma a imagem
que entretanto ficou incrustada no escuro a brilhar
sempre
e dela «parece» que o movimento parte de novo
é uma «linguagem» e energia e delicadeza atravessam o
ar
espectáculo do «verbo primeiro e último» apanhem a
figura «absoluta»
do pé esquerdo o patim refulge a mão direita
«prolonga-se»
vamos achar bem que o stique seja a «respiração»
extrema e extensa
a bola põe-se a «caligrafar» todo um sistema de planos
intensos leves
«metáfora» decerto minuto a minuto destruída pela
pergunta
«que jogo é este para o entendimento dos olhos?»
a resposta «alegria» tudo esgota
mas só um sentimento de urgência corporal dá ao jogo
uma «necessária dimensão»
«o jogo respira?» perguntam e diz-se «que respira»
«então deixem-no lá viver» como se se tratasse de
«uma criatura»
podemos confundir «isto» com «acertar»?
o jogo apenas acerta consigo mesmo e este acerto é o
próprio
«jogo»
nele ressaltam só qualidades de acção força delicadeza
envolvimento em si mesmo
e o prazer de maquinar o universo numa restrita
organização de linhas vividas em «iminência»
de imagem em imagem se transfere o corpo
sempre à beira de «ser» e parando e continuando
e ainda «apagando e recomeçando» como se continuamente
bebesse de si e tivesse o ar pequeno para demonstrar
a grandeza de si a si mesmo
«referido a quê senão ao absurdo de um espelho?»
«a enviar-se» cerradamente entre os seus limites
zona frequentada pela «ausência viva»
destreza porque sim forma porque sim aplicação porque
sim
de tudo em tudo
de nada em nada pelo gozo «básico» de «estar a ser»
Herberto Helder, in Antropofagias, Texto 6
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