Maria João Seixas, Entre/ Vistas (2006)
Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Bernardo Sassetti
O
auditório da Culturgeste estava cheio, a pedir mais lugares para os que não
tinham conseguido entrar. Quando as luzes se apagaram, o ecrã do fundo do palco
começou a ser habitado por um puzzle
de sombras, puras abstracções de fotografias, projectadas como pontos de fuga
para o nosso olhar. Eram cintilações despojadas, difusas numa névoa a preto e
branco, dando a ver através da vidraça de uma janela os ramos de uma árvore, ou
uma ruela gelada, por onde vultos (Bernardo e uns seus companheiros de
estrada?) caminham ao longe, de costas, para o longe de umas tantas casas, ou
ainda… Pareceu-me então que todos nós, no conforto das nossas cadeiras, nos
pusemos à escuta do sopro frio de um vento que devia estar a varrer aquela rua,
aqueles ramos, aqueles casacos e os corpos que cobriam, no instante em que a
câmara os fixou. Pareceu-me isso mas o que sei é que se fez silêncio e que só
quando os músicos ocuparam os seus lugares em cena é que as nossas palmas nos
reaqueceram. A seguir a esse silêncio e a essas primeiras palmas fez-se música
e a plateia «estremeceuzinho», como prodigiosamente Guimarães Rosa nos ensinou
a dizer. A música que se ouviu foi também feita de silêncios. Longos, alguns.
Convocados por uma poderosa batuta invisível, largámos os tiques habituais das
salas de concerto – ninguém tossio, ninguém desembrulhou o rebuçado calmante,
ninguém se mexeu nos assentos. O que aconteceu foi que nos integrámos, de
respiração suspensa, na voz do concerto, mudos quando as teclas e as cordas e
as percussões se calavam, vibrando com os acordes dos instrumentos quando eles
falavam alto e forte. Foi na apresentação de Ascent, último e belo disco do (duplo) Trio Bernardo Sassetti, ou
melhor do Bernardo Sassetti Trio2. Inesquecível. Quando uma entrevista começa
por perguntar quem se é, denuncia logo a curiosidade pelo trilho dos passos de
quem está diante de nós. Quantos mais anos tiver a pessoa entrevistada, mais
longa será, em princípio, essa viagem à memória de quem somos, donde viemos, o
que fizemos para chegar até aqui. Se for jovem, como o Bernardo, corre-se o
risco de ouvirmos o relato de um percurso naturalmente mais curto, ainda em
dificuldades de balanço. Mas a intensidade e a precisão com que ele se contou,
para além de surpreendente, foi reveladora de uma pessoa que cedo descobriu que
tinha de estar na vida a tempo inteiro, sem distracções sobre o sentido que era
imperativo dar-lhe. Descobriu, no cedo do seu tempo pessoal, que a música, e
mais especificamente esse território de liberdade extrema que é o jazz, seria a
pauta que moldaria esse sentido. Pauta exigente, que não admite desrespeitos.
Entregou-se-lhe sem reservas e, em troca, recebeu dela um dom valioso – a tal
batuta poderosa e invisível que, numa sala de concerto ou em casa a ouvirmos um
CD, nos guia até quase à fusão com a sua música. Com a música.
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