Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
quinta-feira, 31 de maio de 2012
The Hand That Signed The Paper
The hand that signed the paper felled a city;
Five sovereign fingers taxed the breath,
Doubled the globe of dead and halved a country;
These five kings did a king to death.
The mighty hand leads to a sloping shoulder,
The finger joints are cramped with chalk;
A goose's quill has put an end to murder
That put an end to talk.
The hand that signed the treaty bred a fever,
And famine grew, and locusts came;
Great is the hand that holds dominion over
Man by a scribbled name.
The five kings count the dead but do not soften
The crusted wound nor stroke the brow;
A hand rules pity as a hand rules heaven;
Hands have no tears to flow.
Five sovereign fingers taxed the breath,
Doubled the globe of dead and halved a country;
These five kings did a king to death.
The mighty hand leads to a sloping shoulder,
The finger joints are cramped with chalk;
A goose's quill has put an end to murder
That put an end to talk.
The hand that signed the treaty bred a fever,
And famine grew, and locusts came;
Great is the hand that holds dominion over
Man by a scribbled name.
The five kings count the dead but do not soften
The crusted wound nor stroke the brow;
A hand rules pity as a hand rules heaven;
Hands have no tears to flow.
Dylan Thomas
domingo, 27 de maio de 2012
Herzog
Sofrer é outro mau hábito.
(palavras de Ramona em Herzog, de Saul Bellow)
A minha desforra são palavras.
Levanto-me de manhã amarrotado
pelo peso inclemente das mentiras
e vazo no real outro real
das letras que ninguém vislumbrará.
O pássaro que canta é uma palavra,
é uma carta escrita a este, àquele,
que me saiu do lápis da amargura;
tudo se refaria se jamais feita fosse
alguma coisa que a minha mão não desse.
Desforro-me sem gosto. Desforro-me sem gasto,
acorrentado ao que me vem de trás
e ao que virá e que não sei se quero.
Pedro Tamen, Analogia e Dedos
sábado, 26 de maio de 2012
«À primeira vista, a Consciência-de-si é Ser-para-si-simples-ou-indiviso; ela é idêntica-a-si-própria pelo acto-de-excluir de si tudo o que é diferente [dela]. A sua realidade-essencial e o seu objecto-coisista são para ela: Eu [Eu isolado de tudo e oposto a tudo o que não é Eu]. E, nesta imediatidade, isto é, neste ser-dado [isto é, não produzido por um processo activo criador] do seu Ser-para-si, a Consciência-de-si é uma entidade-particular-e-isolada. Aquilo que, para ela, é diferente dela existe para ela como um objecto-coisista privado-de-realidade-essencial, marcado pelo carácter da entidade-negativa.»
Alexandre Kojève, Breve Introdução à Leitura de Hegel, Dialéctica do Senhor e do Escravo
quinta-feira, 24 de maio de 2012
quinta-feira, 17 de maio de 2012
A história e o bem
«A questão do bem depara-se-nos já sempre numa situação irreversível: vivemos.Significa isto, de qualquer modo, que já não podemos levantar a questão do bem e responder a ela como se fôssemos nós a ter ainda de criar a vida nova e boa. Interrogamo-nos sobre o bem como criaturas, não como criadores. O que nos interessa não é saber o que seria o bem se não vivêssemos, isto é, numa qualquer condição imaginária - mas, como seres vivos, não podemos sequer levantar seriamente uma questão assim, precisamente porque podemos conceber uma vida abstracta só como seres vivos a ela ligados e não, portanto, de modo inteiramente livre. A nossa questão não é o que é bom em si, mas o que é bom nas condições da vida presente e para nós como seres vivos. Portanto, não abstraindo da vida, antes mergulhando na vida, interrogamo-nos sobre o que é o bem. A questão do bem faz parte da nossa vida, tal como a nossa vida está inserida na questão do bem. A questão do bem é levantada e decidida no meio da situação repetidamente determinada e ainda não concluída, única, irrepetível e todavia fluida da nossa vida, no meio de vínculos vivos com seres humanos, coisas, instituições, poderes, ou seja, no seio da nossa existência histórica. A questão do bem já se não pode separar da questão da vida e da história.»
Dietrich Bonhoeffer, Ética
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Walden
«When I wrote the following pages, or rather the bulk of them, I lived alone, in the woods, a mile from any neighbor, in a house which I had built myself, on the shore of Walden Pond, in Concord, Massachusetts, and earned my living by the labour of my hands only. I lived there two years and two months. At present I am a sojourner in civilized life again.
I should not obtrude my affairs so much on the notice of my readers if very particular inquiries had not been made by my townsmen concerning my mode of life, which some would call impertinent, though they do not appear to me at all impertinent, but, considering the circumstances, very natural and pertinent. Some have asked what I got to eat; if I did not feel lonesome; if Iwas not afraid; and the like. Others have been curious to learn what portion of my income I devoted to charitable purposes; and some, who have large families, how many poor children I maintained. I will therefore ask those of my readers who feel no particular interest in me to pardon me if I undertake to answer some of these questions in this book. In most books, the I, on first person, is omitted; in this it will be retained; that, in respect to egotism, is the main difference. We commonly do not remember that it is, after all, always the first person that is speaking. I should not take so much about myself if there were any body else whom I knew as well. Unfortunately, I am confined to this theme by the narrowness of my experience. Moreover, I, on my side, require of every writer, first or last, a simple and sincere account of his own life, and not merely what he has heard of other men's lives; some such account as he would send to his kindred from a distant land; for if he has lived sincerely, it must have been in a distant land to me.»
I should not obtrude my affairs so much on the notice of my readers if very particular inquiries had not been made by my townsmen concerning my mode of life, which some would call impertinent, though they do not appear to me at all impertinent, but, considering the circumstances, very natural and pertinent. Some have asked what I got to eat; if I did not feel lonesome; if Iwas not afraid; and the like. Others have been curious to learn what portion of my income I devoted to charitable purposes; and some, who have large families, how many poor children I maintained. I will therefore ask those of my readers who feel no particular interest in me to pardon me if I undertake to answer some of these questions in this book. In most books, the I, on first person, is omitted; in this it will be retained; that, in respect to egotism, is the main difference. We commonly do not remember that it is, after all, always the first person that is speaking. I should not take so much about myself if there were any body else whom I knew as well. Unfortunately, I am confined to this theme by the narrowness of my experience. Moreover, I, on my side, require of every writer, first or last, a simple and sincere account of his own life, and not merely what he has heard of other men's lives; some such account as he would send to his kindred from a distant land; for if he has lived sincerely, it must have been in a distant land to me.»
Henry David Thoreau, Walden; or Life in the Woods
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Bernardo Sassetti
O
auditório da Culturgeste estava cheio, a pedir mais lugares para os que não
tinham conseguido entrar. Quando as luzes se apagaram, o ecrã do fundo do palco
começou a ser habitado por um puzzle
de sombras, puras abstracções de fotografias, projectadas como pontos de fuga
para o nosso olhar. Eram cintilações despojadas, difusas numa névoa a preto e
branco, dando a ver através da vidraça de uma janela os ramos de uma árvore, ou
uma ruela gelada, por onde vultos (Bernardo e uns seus companheiros de
estrada?) caminham ao longe, de costas, para o longe de umas tantas casas, ou
ainda… Pareceu-me então que todos nós, no conforto das nossas cadeiras, nos
pusemos à escuta do sopro frio de um vento que devia estar a varrer aquela rua,
aqueles ramos, aqueles casacos e os corpos que cobriam, no instante em que a
câmara os fixou. Pareceu-me isso mas o que sei é que se fez silêncio e que só
quando os músicos ocuparam os seus lugares em cena é que as nossas palmas nos
reaqueceram. A seguir a esse silêncio e a essas primeiras palmas fez-se música
e a plateia «estremeceuzinho», como prodigiosamente Guimarães Rosa nos ensinou
a dizer. A música que se ouviu foi também feita de silêncios. Longos, alguns.
Convocados por uma poderosa batuta invisível, largámos os tiques habituais das
salas de concerto – ninguém tossio, ninguém desembrulhou o rebuçado calmante,
ninguém se mexeu nos assentos. O que aconteceu foi que nos integrámos, de
respiração suspensa, na voz do concerto, mudos quando as teclas e as cordas e
as percussões se calavam, vibrando com os acordes dos instrumentos quando eles
falavam alto e forte. Foi na apresentação de Ascent, último e belo disco do (duplo) Trio Bernardo Sassetti, ou
melhor do Bernardo Sassetti Trio2. Inesquecível. Quando uma entrevista começa
por perguntar quem se é, denuncia logo a curiosidade pelo trilho dos passos de
quem está diante de nós. Quantos mais anos tiver a pessoa entrevistada, mais
longa será, em princípio, essa viagem à memória de quem somos, donde viemos, o
que fizemos para chegar até aqui. Se for jovem, como o Bernardo, corre-se o
risco de ouvirmos o relato de um percurso naturalmente mais curto, ainda em
dificuldades de balanço. Mas a intensidade e a precisão com que ele se contou,
para além de surpreendente, foi reveladora de uma pessoa que cedo descobriu que
tinha de estar na vida a tempo inteiro, sem distracções sobre o sentido que era
imperativo dar-lhe. Descobriu, no cedo do seu tempo pessoal, que a música, e
mais especificamente esse território de liberdade extrema que é o jazz, seria a
pauta que moldaria esse sentido. Pauta exigente, que não admite desrespeitos.
Entregou-se-lhe sem reservas e, em troca, recebeu dela um dom valioso – a tal
batuta poderosa e invisível que, numa sala de concerto ou em casa a ouvirmos um
CD, nos guia até quase à fusão com a sua música. Com a música.
Maria João Seixas, Entre/ Vistas (2006)
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Maria João Seixas
Only the text was both indisputably there and stable
«To the degree that this argument was influential (and it was enormously so) it constrained in advance the form any couterargument might take. In order to dislodge the effective fallacy, for example, one would have to show first that the text was not the self-sufficient repository of meaning and, second, that something else was, at the very least, contributory. This was exactly my strategy in the first of the articles presented in this book. I challenged the self-sufficiency of the text by pointing out that its (apparently) spatial form belied the temporal dimension in which its meanings were actualized, and I argued that it was the developing shape of that actualization, rather than the static shape of the printed page, that should be the object of critical description. In short, I substituted the structure of the reader's experience for the formal structures of the text on the grouds that while the latter were the more visible, they acquired significance only in the context of the former. This general position had many consequences. First of all, the activities of the reader were given a prominence and importance they did not have before: if meaning is embedded in the text, the reader's responsabilites are limited to the job of getting it out; but if meaning develops, and if it develops in a dynamic relationship with the reader's expectations, projections, conclusions, judgements, and assumptions, these activities (the things the reader does) are not merely instrumental, or mechanical, but essential, and the act of description must both begin and end with them. In practice, this resulted in the replacing of one question - what does this mean? - by another - what does it do? - with "do" equivocating between a reference to the action of the text on a reader and the actions performed by a reader as he negotiates (and, in some sense, actualizes) the text. This equivocation allowed me to retain the text as a stable entity at the same time that I was dislodging it as the privileged container of meaning. The reade was now given joint responsibility for the production of a meaning that was itself redefined as an event rather than an entity. That is, one could not point to this meaning as one could if it were the property of the text; rather, one could observe or follow its gradual emergence in the interaction between the text, conceived of as a succession of words, and the developing response of the reader.»
Stanley Fish, »Introduction, or How I Stopped Worrying and Learned To Love Interpretation», in Is There a Text in this Class?, the Authority of Interpretive Communities
terça-feira, 8 de maio de 2012
Vida autónoma
«A ligação da vida autónoma à categoria do valor é um dado tão indissolúvel dessa vida e tão condicionado pela sua essência como a ligação da consciência autónoma à categoria de verdade - poderiam procurar-se outros nomes para fenómenos como o valor e a verdade, mas enquanto fenómenos nem por isso deixariam de subsistir tão irrefutavelmente como os próprios Sum e Cogito: ambos extraindo a sua origem da autonomia do Eu, que ponto liga com o exterior, ambos acto e posição desse Eu. Assim o valor separa-se num acto que formula o valor, um acto, no sentido mais geral, formador do mundo, e num valor realizado, formado, especialmente visível, visível no mundo; o conceito de valor separa-se em categorias complementares: em valor ética da acção e em valor estético da acção realizada - verso e reverso da mesma medalha - que só graças à sua coesão constituem o conceito de valor na sua maior generalidade e a situação lógica de toda a vida. E, de facto, foi sempre assim na história: já os historiadores antigos se submetiam a conceitos de valor, a história moralizante do século XVIII utiliza os seus, com toda a consciência, e na concepção de Hegel o valor absoluto aparece muito distintamente, tanto no conceito de «espírito do mundo» como no da «judicatura da história». Por isso não é para admirar que a função metodológica do conceito de valor se haja tornado o tema principal da filosofia da história pós-hegeliana, embora com um funesto resultado acessório: deslocação do conhecimento total em conhecimento das ciências da natureza; alheio ao valor, e o conhecimento das ciências do espírito, submetido ao valor; é esta, se assim quiserem, a primeira declaração da falência da filosofia, pois, graças a esta deslocação, a identidade do pensamento e da existência ficou confinada aos limites lógico-matemáticos e, para todo o resto do domínio do conhecimento, esta tarefa idealista, tarefa principal da filosofia, foi abolida, a menos que apareça relegada para as brumas da intuição.»
Hermann Broch, Os Sonâmbulos
Jesus and Yahweh
«When Jesus names himself God's son, he does not appear to invite literalization. He probably would have regarded Joseph of Egypt and David, both Yahweh's favorites, as being also "Sons of God." All Israel, as children of Abraham, were Sons and Daughters of God, as Jesus surely said (despite the Gospel of John's insistence that Jesus called his fellow Jews the children of devil). Only three times does Jesus claim God as his father in Mark, as opposed to thirty-one such assertions in Matthew, and well beyond one hundred in John. And no one quite agrees as to what precisely Jesus intended to mean by referring to himself as Son of Man. He was probably using the Aramaic emphasis in which Son of Man sharpened the precariousness of mortal men, which seems to be the import of the phrase in Daniel 7:13. There is very little basis in the Synoptics for the runaway Christianity of John and of theological tradition after him. Elliptical, ironic parabolist as Jesus was, it may well be that he was an enigma even to himself.
The central irony, for anyone who is not a Christian believer, is that the living Jesus of the Synoptics does not believe he is the Incarnation of Yahweh, and least of all at the moment of his death, when he despairingly asks his abba why he has been abandoned. Death and stories of ressurrection make Jesus a Name Divine from prior to St. Paul onward, and necessarily the transition from Yeshua of Nazareth to Jesus Christ was performed by those who first accepted the Apostle Paul's conversion. The Christian historical scholars who most persuade me - Father John Meier and E. P. Sanders - are not ironists and they differ on their receptivity to the supernatural, accepted by Meier on grounds of Catholic faith but largely avoided by Sanders, whose Jesus remains firmly Jewish, though as so autonomous a charismatic that he constitutes his own authority, transcending Tanakh. Sanders gives us a Jesus who had an unmediated relationship with Yahweh - perhaps not unique, since prophets on to John the Baptist possessed the same attribute.»
The central irony, for anyone who is not a Christian believer, is that the living Jesus of the Synoptics does not believe he is the Incarnation of Yahweh, and least of all at the moment of his death, when he despairingly asks his abba why he has been abandoned. Death and stories of ressurrection make Jesus a Name Divine from prior to St. Paul onward, and necessarily the transition from Yeshua of Nazareth to Jesus Christ was performed by those who first accepted the Apostle Paul's conversion. The Christian historical scholars who most persuade me - Father John Meier and E. P. Sanders - are not ironists and they differ on their receptivity to the supernatural, accepted by Meier on grounds of Catholic faith but largely avoided by Sanders, whose Jesus remains firmly Jewish, though as so autonomous a charismatic that he constitutes his own authority, transcending Tanakh. Sanders gives us a Jesus who had an unmediated relationship with Yahweh - perhaps not unique, since prophets on to John the Baptist possessed the same attribute.»
Harold Bloom, Jesus and Yahweh, The Names Divine
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Misticismo storico e simbolo artistico
«I concetti mistici possono avere due origini; fondarsi su un'intensa e luminosa conoscenza interiore, oppure sorgere come espedienti d'emergenza (pseudo-mistici) da impiegarsi ogni qualvolta la visione naturalistica non basta più. Quale di queste due origini si deve attribuire al concetto di «spirito del tempo»? Ridotta alla sua più nuda realtà effettuale un'epoca non è altro che una sezione spazio-temporale del mondo storico, delimitata da date d'inizio e di fine. È riempita da milioni e milioni di esistenze umane per lo più anonime, da miriadi e miriadi di anonime azioni, motivazioni e forze umane ma anche da un'infinità di pensieri verità ed errori umani non meno anonimi. Questo inafferrabile conglomerato di eoni, questa anonima quotidianità del tempo, rappresenta l'epoca, è l'epoca. Ma come può un simile coacervo penetrare nella coscienza dell'uomo? Può forse essere abbracciato con lo sguardo? Il fiume del divenire, il fiume di storia viva, vissuta, concreta che attraversa l'epoca è non meno anonimo dell'epoca stessa e non si cura né della sua data d'inizio né di quella della sua fine, né di «uno stile dell'epoca», né infine di qualsiasi altro segno. Esso non è che una corrente di «effetti» concreti che afferra l'uomo prevalentemente con impulsi fisici, spesso con quelli psichici, raramente con quelli concettuali, spingendolo a compiere questa o quelle azione. Per quanto grande e possente, per chi la vive l'epoca non è che una ristretta cerchia di «fatti»; malgrado i giornali e la radio, essa si trova in una condizione di «inconoscibilità organica.»
Hermann Broch, Riflessioni sul problema della morte delle civiltà
domingo, 6 de maio de 2012
Carta a Minha Mãe
«Estás viva ainda, velhota minha?
Eu vivo também. Saudações, saudações!
Que passe sobre a tua cabana
aquela luz da tarde indescritível!
Escrevem-me que tu, embora o escondas,
te preocupas demasiado comigo,
que vais muita vez até à estrada
com o teu casacão fora de moda.
E a coberto do azul da noite
muitas vezes imaginas a mesma coisa -
que alguém numa rixa de taberna
me enterrou no coração uma navalha...
Nada acontece, mãe! Descansa.
Isso é só a tua imaginação.
Eu não sou um bêbado tão inveterado
para morrer sem te ver primeiro.
Como dantes tão afeiçoado
sonho apenas em escapar
à minha angústia intranquila
e voltar à nossa pobre casa.
Eu voltarei, quando estender os ramos
na Primavera o nosso jardim branco.
Só te peço que, de madrugada,
não me acordes como oito anos atrás.
Não acordes aquele que esgotou todos os sonhos,
não perturbes aquele que não se realizou, -
demasiado cedo o sofrimento e o cansaço
encheram totalmente a minha vida.
E não me ensines orações. Não é preciso!
Não se pode já voltar atrás.
Tu sozinha me és ajuda e conforto,
Tu sozinha me és inefável luz.
Assim, esquece, pois, as tuas angústias,
não fiques tão triste por minha causa.
Não vás tantas vezes até à estrada
com o teu casacão fora de moda.»
Eu vivo também. Saudações, saudações!
Que passe sobre a tua cabana
aquela luz da tarde indescritível!
Escrevem-me que tu, embora o escondas,
te preocupas demasiado comigo,
que vais muita vez até à estrada
com o teu casacão fora de moda.
E a coberto do azul da noite
muitas vezes imaginas a mesma coisa -
que alguém numa rixa de taberna
me enterrou no coração uma navalha...
Nada acontece, mãe! Descansa.
Isso é só a tua imaginação.
Eu não sou um bêbado tão inveterado
para morrer sem te ver primeiro.
Como dantes tão afeiçoado
sonho apenas em escapar
à minha angústia intranquila
e voltar à nossa pobre casa.
Eu voltarei, quando estender os ramos
na Primavera o nosso jardim branco.
Só te peço que, de madrugada,
não me acordes como oito anos atrás.
Não acordes aquele que esgotou todos os sonhos,
não perturbes aquele que não se realizou, -
demasiado cedo o sofrimento e o cansaço
encheram totalmente a minha vida.
E não me ensines orações. Não é preciso!
Não se pode já voltar atrás.
Tu sozinha me és ajuda e conforto,
Tu sozinha me és inefável luz.
Assim, esquece, pois, as tuas angústias,
não fiques tão triste por minha causa.
Não vás tantas vezes até à estrada
com o teu casacão fora de moda.»
Serguéi Iessénine
sábado, 5 de maio de 2012
A senhora Virguinsky
«Virguinsky morava em casa própria, ou por outra, da mulher, na rua F. Era um edifício de madeira, de um só andar. Não habitavam lá outros inquilinos. Com o pretexto do aniversário do dono da casa, tinham convidado umas quinze pessoas; mas a reunião não se assemelhava em nada às costumadas reuniões de família. Desde o principio do seu casamento, os Virguinskis haviam resolvido, de uma vez para sempre, que era coisa estúpida convidar gente por ocasião dos natalícios. Não achavam nisso prazer nenhum: durante esses anos tinham conseguido pôr-se definitivamente à margem de todos e quaisquer conhecimentos. Consideravam-no, a ele (ainda que fosse criatura bem dotada e nada tivesse de pobre-diabo) uma espécie de excêntrico arrogante, cioso de isolamento. Quanto à senhora Virguinsky, apesar da posição do marido, a sua profissão de parteira relegara-a para o mais baixo nível da escala social, mais baixo ainda do que a de uma mulher de pope; mas no seu aspecto não havia humildade que condissesse com a sua situação. Fora sobretudo depois da estúpida ligação, quase pública, que ela tivera com essa espécie de trapaceiro, o capitão Lebiadkine, que as damas mais indulgentes da nossa cidade lhe voltaram as costas com desprezo. A senhora Virguinsky recebeu esse desdém como se fosse a coisa que ela mais desejava. Facto estranho: em caso de «necessidade», as senhoras mais severas recorriam sempre a Arina Prokorovna (era este o seu nome), preferindo-a às três outras parteiras que habitavam na cidade. Até a chamavam do distrito vizinho, tal era a confiança que tinham na sua competência para os casos mais difíceis. A senhora Virguinsky acabou mesmo por exercer o seu mister nas casas mais abastadas: o amor que tinha ao dinheiro chegava a ser avareza. Sentindo o seu poder, mostrou-se tal como era. Mesmo nas casas mais distintas, divertia-se a assustar as parturientes nervosas com os seus ares niilistas, com o seu desprezo pelas conveniências, e com as suas zombarias sobre tudo o que é «sagrado» - precisamente na altura em que as clientes sentiam necessidade de auxílio divino. Segundo o testemunho digno de fé do nosso cirurgião-mor e parteiro Rozanov, quando uma senhora estava com as dores do parto e invocou o nome de Deus, Arina Prokorovna reagiu como um dos seus ditos espirituosos contra a religião, o que, por ter assustado a doente, contribuiu para a criança nascer mais depressa.
Todavia, por mais niilista que fosse, Arina Prokorovna estava longe de desdenhar certos usos mundanos, costumes antigos e preconceitos que se mostravam de utilidade. Nunca faltava a um baptizado; nestas ocasiões aparecia de cabelos frisados, com vestido de seda, de cauda. (Fora disso contentava-se com uma indumentária o mais à vontade possível). Durante o tempo que durava a cerimónia, mantinha uma atitude insolente, a tal ponto que desconcertava o sacerdote. Mas fazia gala em ser ela mesma a servir o champanhe, depois do baptizado, e era por isso que se apresentava assim de ponto em branco.»
Todavia, por mais niilista que fosse, Arina Prokorovna estava longe de desdenhar certos usos mundanos, costumes antigos e preconceitos que se mostravam de utilidade. Nunca faltava a um baptizado; nestas ocasiões aparecia de cabelos frisados, com vestido de seda, de cauda. (Fora disso contentava-se com uma indumentária o mais à vontade possível). Durante o tempo que durava a cerimónia, mantinha uma atitude insolente, a tal ponto que desconcertava o sacerdote. Mas fazia gala em ser ela mesma a servir o champanhe, depois do baptizado, e era por isso que se apresentava assim de ponto em branco.»
Fiódor Dostoiévski, Os Possessos
sexta-feira, 4 de maio de 2012
quinta-feira, 3 de maio de 2012
The Wheel
Through winter-time we call on spring,
And through the spring on summer call,
And when abounding hedges ring
Declare that winter's best of all;
And after that there's nothing good
Because the spring-time has not come -
Nor know that what disturbs our blood
Is but its longing for the tomb.
And through the spring on summer call,
And when abounding hedges ring
Declare that winter's best of all;
And after that there's nothing good
Because the spring-time has not come -
Nor know that what disturbs our blood
Is but its longing for the tomb.
W. B. Yeats
Poesia
«Embora alguns poetas e alguns filósofos se tenham esforçado por obter uma ideia precisa do que é a Poesia, entre os primeiros são de mencionar os esforços típicos de Dante, SHelley, Ezra Pound, e entre os segundos são de mencionar os nomes de Aristóteles e Hegel, não se pode dizer, no entanto, que se tenha alcançado uma definição de Poesia. Acabou assim por se generalizar uma atitude de um cepticismo difuso acerca da possibilidade de uma tal definição.
Este cepticismo generalizado não é uma consequência do abandono da definição nominal ou explícita, no ambiente filosófico do século XX, em favor da definição implícita; ele resulta antes de uma descrença de que seja de todo possível ter uma percepção do que é o objecto Poesia, e a partir dela construir a sua definição. Para a formação desta descrença contribuiu o facto de Aristóteles ter excluído do domínio da Poesia e Poesia Lírica e ter, na verdade, identificado a esfera do poético com as grandes formas Drama e Epopeia, de tal modo que a decadência desta última, e a adopção da prosa para a maior parte da produção dramática, tornaram irrelevante a geografia conceptual de Aristóteles.
Nestes termos uma definição de Poesia só é possível a partir de uma posição meta-aristotélica, de uma posição que coloque a Poesia Lírica precisamente no foco da percepção teórica. Esta atitude de regeneração, face ao cepticismo dominante, não é frequente na Teoria da Literatura e, se excluirmos de momento o trabalho de Hugo Friedrich nesta direcção (na sua luminosa Estrutura da Lírica Moderna), só nos resta então procurar entre os filósofos um autêntico criador de enigmas, que seja acima de tudo também um oráculo, e como tal capaz de ver, tanto quanto um oráculo é capaz de ver, a Poesia Lírica como a realização suprema do munus poético.»
Este cepticismo generalizado não é uma consequência do abandono da definição nominal ou explícita, no ambiente filosófico do século XX, em favor da definição implícita; ele resulta antes de uma descrença de que seja de todo possível ter uma percepção do que é o objecto Poesia, e a partir dela construir a sua definição. Para a formação desta descrença contribuiu o facto de Aristóteles ter excluído do domínio da Poesia e Poesia Lírica e ter, na verdade, identificado a esfera do poético com as grandes formas Drama e Epopeia, de tal modo que a decadência desta última, e a adopção da prosa para a maior parte da produção dramática, tornaram irrelevante a geografia conceptual de Aristóteles.
Nestes termos uma definição de Poesia só é possível a partir de uma posição meta-aristotélica, de uma posição que coloque a Poesia Lírica precisamente no foco da percepção teórica. Esta atitude de regeneração, face ao cepticismo dominante, não é frequente na Teoria da Literatura e, se excluirmos de momento o trabalho de Hugo Friedrich nesta direcção (na sua luminosa Estrutura da Lírica Moderna), só nos resta então procurar entre os filósofos um autêntico criador de enigmas, que seja acima de tudo também um oráculo, e como tal capaz de ver, tanto quanto um oráculo é capaz de ver, a Poesia Lírica como a realização suprema do munus poético.»
M. S. Lourenço, Os Degraus do Parnaso
quarta-feira, 2 de maio de 2012
A Linguagem Universal
«O artista verdadeiro é aquele que alcançou o conhecimento verdadeiro, o qual consiste na percepção da realidade sensível e na intuição da realidade inexprimível. A aura que rodeia o artista verdadeiro é um efeito do Sopro divino, da Graça que confere à actividade criadora uma certeza dogmática e infalível: o artista obedece a uma lei interior, a qual se pode denominar de muitas maneiras diferentes, mas para a qual não existe uma fórmula reveladora. Reconhecemos a presença deste Sopro no irresistível magnetismo que emana da personalidade artística. Enquanto que o artista mediano tenta chegar à transcendência a partir da expressão do imediato, o verdadeiro artista é aquele que encontrou a expressão simbólica da experiência transcendente: este é o único Parnaso ao qual vale a pena subir.»
M. S. Lourenço, Os Degraus do Parnaso
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