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sábado, 24 de novembro de 2012

Portugal

«Se a História, no sentido restrito de «conhecimento do historiável», é o horizonte próprio onde melhor se percebe o que é ou não é a realidade nacional, a mais sumária autópsia da nossa historiografia revela  o irrealismo prodigioso da imagem que os portugueses se fazem de si mesmos. Não nos referimos às simples deformações de carácter subjectivo ou de natureza ideológica, não só por serem inevitáveis, como por não arrastar com elas uma fatal transfiguração no sentido desse irrealismo. O que visamos é mais largo e profundo, pois afecta na raiz a possibilidade mesma de nos compreendermos enquanto realidade histórica. Em lugar da autognose de uma realidade movente mas perfeitamente definida à qual nos referimos com o nome «Portugal», nós historiamos um ser perdido de antemão e que milagre algum de dialéctica poderá reencontrar no fim de uma análise que começou sem ele. As «Histórias de Portugal», todas, se exceptuarmos o limitado mas radical e grandioso trabalho de Herculano, são modelos de «robinsonadas»: contam as aventuras celestes de um herói isolado num universo previamente deserto. Tudo se passa como se não tivéssemos interlocutor. (E esta famosa «forma mentis» reflecte-se na nossa criação literária, toda encharcada de monólogos, o que explica, ao mesmo tempo, a nossa antiga carência de fundo em matéria teatral e romanesca). Esta situação não pode ser objecto de uma simples referência de passagem. Reflecte a estrutura de um comportamento nacional que a obra dos historiadores apenas generaliza e amplia. O que é necessário é uma autêntica psicanálise do nosso comportamento global, um exame sem complacências que nos devolva ao nosso ser profundo ou para ele nos encaminhe ao arrancar-nos as máscaras que nós confundimos com o rosto verdadeiro.»

Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade

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