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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Fama

«Nas artes que não sejam a literatura, temos uma língua universal, e poucas desinteligências há se exceptuada a insensibilidade de cada homem. Mas na literatura, em matéria de fama e de perpetuação da fama, depara-se-nos na esquina da especulação o problema da língua, e entramos numa paisagem diferente de conjecturas.
Há uma forma morta e uma forma viva, e cada uma destas é fama; há uma fama que trabalha e labuta, e uma fama que é como uma estátua, ou uma inscrição num túmulo, uma sobrevivência sem vida. Shakespeare vive e opera; Spenser é um nome sem força. Jamais alguém leu (nem mesmo, talvez, Spenser) Faeri Queen bem a fundo. Até as grandes epopeias completas têm pecado contra o interesse permanente. O ideal seria uma epopeia que resistisse como Milton e interessasse como Conan Doyle. Não é uma impossibilidade, porque as impossibilidades não existem; mesmo as contradições nos termos, graças a Hegel, deixaram de o ser.
Como sobreviverá o homem - se sobreviver - se não for pelo nome que tinha? Quanto da fama de Homero se deve a homens que o leram no original? Tem-se conhecimento de franceses a quem Shakespeare comoveu; contudo, nenhuma mente francesa logra jamais apreender o ritmo mental da frase e a súbita complexidade de sentido que só o conhecimento do inglês pelo lado da alma pode permitir ou conceder.»

Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias 

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