Há uma forma morta e uma forma viva, e cada uma destas é fama; há uma fama que trabalha e labuta, e uma fama que é como uma estátua, ou uma inscrição num túmulo, uma sobrevivência sem vida. Shakespeare vive e opera; Spenser é um nome sem força. Jamais alguém leu (nem mesmo, talvez, Spenser) Faeri Queen bem a fundo. Até as grandes epopeias completas têm pecado contra o interesse permanente. O ideal seria uma epopeia que resistisse como Milton e interessasse como Conan Doyle. Não é uma impossibilidade, porque as impossibilidades não existem; mesmo as contradições nos termos, graças a Hegel, deixaram de o ser.
Como sobreviverá o homem - se sobreviver - se não for pelo nome que tinha? Quanto da fama de Homero se deve a homens que o leram no original? Tem-se conhecimento de franceses a quem Shakespeare comoveu; contudo, nenhuma mente francesa logra jamais apreender o ritmo mental da frase e a súbita complexidade de sentido que só o conhecimento do inglês pelo lado da alma pode permitir ou conceder.»
Fernando Pessoa, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias
Sem comentários:
Enviar um comentário