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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Diana e Actéon

«Gostaria de vos falar de Diana e Actéon: dois nomes que no espírito do meu leitor evocam poucas ou muitas coisas: uma situação, posturas, formas, um motivo pictórico, ou somente a lenda, porque a imagem e a história, vulgarizadas pelas enciclopédias, reduziram estes dois nomes - o primeiro dos quais foi um dos mil que a divindade usou perante a humanidade desaparecida - à visão única de um banho de mulheres surpreendidas por um intruso. Se esta visão não é «o que nós tivemos de melhor», será pelo menos a coisa mais difícil de imaginar. Mas se o meu leitor não estiver completamente vazio de recordações, e de recordações transmitidas por outras recordações, estes dois nomes podem brilhar subitamente como uma explosão de esplendores e emoções. Essa humanidade desaparecida até ao ponto em que o termo «desaparecida» - apesar de todas as nossas etnologias, de todos os nossos museus, etc. -, em que o termo «desaparecida», dizia eu, deixa de ter ele próprio sentido: esta humanidade, como pôde ela existir? E no entanto o que, ao caminhar, ela sonhou, o que pelos olhos de Actéon ela viu no seu sonho acordado, até imaginar os olhos de Actéon chega-nos como a luz das constelações para nós extintas, e para sempre longínquas: ora, é em nós que fulgura o astro luminoso, é na treva das nossas memórias, na grande noite constelada que trazemos no nosso seio, mas da qual fugimos refugiando-nos na ilusão do dia a dia. Aí confiamo-nos à nossa língua viva. Mas por vezes, entre duas palavras de uso quotidiano, deslizam algumas sílabas das línguas mortas: palavras-espectro que possuem a transparência da chama em pleno meio-dia, da lua no azul do céu; mas desde que as abriguemos na penumbra do nosso espírito, elas são de brilho intenso: que deste modo os nomes de Diana e Actéon restituam, por um instante os seus sentidos ocultos às árvores, ao veado sedento e à água, espelho da impalpável nudez.»

Pierre Klossowski, O Banho de Diana

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