Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
segunda-feira, 28 de março de 2016
20
«lembram-te roma as ruas da damaia;
há em carnide um sítio de verona;
é belo o lixo, à noite, junto ao tejo.
Abrimos as janelas e a cidade
avança pelo quarto, senta-se na cama,
oferece-nos pó, anjo ou demónio.
Serei eu, fantasia, outro pessoa, novo
amável montale desmontável? e tu
existirás de facto, na manhã mais fria?
Assim nos enganamos, nos engana
a verdade que em lume nos desata.»
há em carnide um sítio de verona;
é belo o lixo, à noite, junto ao tejo.
Abrimos as janelas e a cidade
avança pelo quarto, senta-se na cama,
oferece-nos pó, anjo ou demónio.
Serei eu, fantasia, outro pessoa, novo
amável montale desmontável? e tu
existirás de facto, na manhã mais fria?
Assim nos enganamos, nos engana
a verdade que em lume nos desata.»
António Franco Alexandre, Quatro Caprichos
segunda-feira, 14 de março de 2016
O Actor (em memória de um Actor: Nicolau Breyner - 1940-2016)
O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
é o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobre entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
é o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobre entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.
Herberto Helder
sexta-feira, 11 de março de 2016
Descarga
«A destruição de imagens que representam algo é a destruição de uma hierarquia que já não se reconhece. Atenta-se contra as distâncias universalmente estabelecidas, que são visíveis para todos e válidas em toda a parte. A sua dureza era a expressão da sua permanência: existiam desde há muito tempo, pensa-se que desde sempre, verticais e inamovíveis, e era impossível alguém acercar-se delas com intuitos hostis. Agora, estão derrubadas e destroçadas. A descarga consumou-se nesse acto.»
Elias Canetti, Massa e Poder
quinta-feira, 10 de março de 2016
59
«Os olhos que se lhe abrem de manhã saem
Rapidamente para o telhado e para os sons
Que, imagino, escuta pela abertura das pupilas.
Os extremos da rua, onde nunca foi, dizem-lhe,
Todavia, que alguém passa para ela, Melissa,
Não para mim, para ela, com o som cadenciado
Dos sinos actuais, já modernos. E tropeço.
Moderno é um termo que me intriga, que briga
Comigo, que não se torna compreensível,
Nem no limiar dos sinos. Tomo-o por uma
Abstracção indecisa, um prazo que trai um
Evento futuro sem, contudo, o espelhar. Em suma,
Pouco se distingue das extremidades da rua
Onde nunca foi. É uma palavra irresponsável,
Sem resposta para o antes, o decurso e o depois.
E, quando assim concluo, Melissa é moderna,
Actualiza, obriga-me a descer à rua inquirir
De visu o que, desde então, se alterou.
Rapidamente para o telhado e para os sons
Que, imagino, escuta pela abertura das pupilas.
Os extremos da rua, onde nunca foi, dizem-lhe,
Todavia, que alguém passa para ela, Melissa,
Não para mim, para ela, com o som cadenciado
Dos sinos actuais, já modernos. E tropeço.
Moderno é um termo que me intriga, que briga
Comigo, que não se torna compreensível,
Nem no limiar dos sinos. Tomo-o por uma
Abstracção indecisa, um prazo que trai um
Evento futuro sem, contudo, o espelhar. Em suma,
Pouco se distingue das extremidades da rua
Onde nunca foi. É uma palavra irresponsável,
Sem resposta para o antes, o decurso e o depois.
E, quando assim concluo, Melissa é moderna,
Actualiza, obriga-me a descer à rua inquirir
De visu o que, desde então, se alterou.
Maria Gabriela Llansol, O Começo de Um Livro É Precioso
quarta-feira, 9 de março de 2016
Tragédia
«... independentemente da beleza poética que a língua grega confere a tantas frases atribuídas a Jesus, pode dizer-se igualmente (e Wilde também viu isso) que a própria vida de Jesus é em si mesma "o mais maravilhoso dos poemas", superior a tudo o que nos legou a tragédia grega (continuo a citar Oscar Wilde). O poema trágico da vida de Jesus (expressão por meio da qual o autor de De Profundis pretendeu designar os quatro evangelhos) torna obsoleta a noção aristotélica de que o sofrimento de um inocente constitui uma situação à partida isenta de tragicidade. É que, para os Gregos, tragédia implicava uma quota-parte de responsabilidade própria, da parte de quem sofre, no sentimento sofrido. O poema da vida de Jesus sugere, ao contrário da tragédia grega, que nada há de mais trágico do que o sofrimento de um inocente. Ideia com que, ainda hoje, todos nós enquanto leitores de notícias internacionais somos forçados a concordar.»
Frederico Lourenço, O Livro Aberto: Leituras da Bíblia
terça-feira, 8 de março de 2016
I, 31
«Que pede um poeta a Apolo, a quem um templo
foi dedicado? Que suplica, derramando da pátera
um líquido novo? Nem as férteis colheitas
da fértil Sardenha,
nem o amável gado da ardente Calábria,
nem o ouro e o marfim da Índia, nem as terras
que o silente curso do Líris remordeja
com sua tranquila água.
Que a vinha seja com calena foice podada
pelos contemplados da fortuna, que em copos de ouro
o opulento mercador de um trago beba
os vinhos trocados por sírias mercadorias,
homem grato aos próprios deuses, pois todos os anos revê
impune três ou quatro vezes o mar atlântico;
quanto a mim, alimentam-me as azeitonas,
a chicória e as leves malvas.
Filho de Latona, faz com que saudável desfrute
daquilo que tenho, e que, rogo-te, de mente sã
leve uma velhice nem desagradável,
nem privada da cítara.
foi dedicado? Que suplica, derramando da pátera
um líquido novo? Nem as férteis colheitas
da fértil Sardenha,
nem o amável gado da ardente Calábria,
nem o ouro e o marfim da Índia, nem as terras
que o silente curso do Líris remordeja
com sua tranquila água.
Que a vinha seja com calena foice podada
pelos contemplados da fortuna, que em copos de ouro
o opulento mercador de um trago beba
os vinhos trocados por sírias mercadorias,
homem grato aos próprios deuses, pois todos os anos revê
impune três ou quatro vezes o mar atlântico;
quanto a mim, alimentam-me as azeitonas,
a chicória e as leves malvas.
Filho de Latona, faz com que saudável desfrute
daquilo que tenho, e que, rogo-te, de mente sã
leve uma velhice nem desagradável,
nem privada da cítara.
Horácio, Odes, I, 31
Caos
«A vida ali era tão rigorosamente regulada e determinada que poderia ser compreendida geométrica e biologicamente. Era difícil acreditar que aquilo pudesse estar relacionado com as condições de vida intensas, selvagens e caóticas de outras espécies, por exemplo, com as concentrações excessivas de girinos ou de alevins ou de larvas de insectos, onde a vida parecia surgir de um poço inesgotável. Mas assim era. O caos e a imprevisibilidade são características essenciais da vida e do seu fim, não sendo possível a primeira sem o segundo, e embora empreendamos quase todos os nossos esforços para tentar evitar o fim, não é necessário mais do que um breve momento de desespero para que vivamos à sua luz, e não à sua sombra, como agora.. O caos é uma espécie de força de gravidade, e o ritmo que conseguimos perceber na História, da ascensão e queda de civilizações, talvez seja devido a isso. É admirável que os extremos se pareçam, pelo menos num certo sentido, pois, tanto no caos absoluto como num mundo rigorosamente regulado e determinado, o indivíduo não é nada, a vida é tudo. Do mesmo modo que ao coração não interessa por que vida palpita, a cidade não se importa com quem cumpre as suas várias funções. Daqui a cento e cinquenta anos, quando toda a gente que hoje se movimenta pela cidade tiver morrido, o tumulto da actividade humana ainda se fará sentir obedecendo aos mesmos velhos padrões. A única coisa nova serão as caras das pessoas, embora não assim tão nova, porque se parecerão connosco.
Atirei a beata do cigarro para o chão e bebi o último gole de café, já frio.
O que eu via era a vida, aquilo em que pensava era na morte.»
Atirei a beata do cigarro para o chão e bebi o último gole de café, já frio.
O que eu via era a vida, aquilo em que pensava era na morte.»
Karl Ove Knausgard, A Minha Luta:1, A Morte do Pai
segunda-feira, 7 de março de 2016
Curiosidade (pubertária)
«Por um lado tínhamos medo de um verdadeiro ataque aéreo ou à bomba ou de terror à nossa cidade, que até a esse meio-dia de Outubro fora inteiramente poupada, mas, por outro, nós todos (educandos) desejávamos efectivamente, em segredo, ser confrontados com um desses ataques aéreos ou à bomba ou de terror como uma verdadeira vivência, não tivéramos ainda a nossa vivência de um terrível acontecimento dessa natureza, e a verdade é que nós, por curiosidade (pubertária), sentíamos um enorme desejo de que, depois das centenas de cidades alemãs e austríacas que já tinham sido bombardeadas e em grande parte ou mesmo completamente destruídas, como nós sabíamos e o que não só não nos ocultavam, como também todos os dias nos era forçosamente dado a conhecer através de toda a espécie de relatos pessoais ou do que os jornais publicavam com todo o seu horror de autenticidade, também a nossa cidade fosse bombardeada, o que realmente veio a acontecer, creio que no dia dezassete de Outubro.»
Thomas Bernhard, Autobiografia
sexta-feira, 4 de março de 2016
Há coisas de que se evita falar
Não
é cómodo falar daquilo que verdadeiramente importa quando se fala de
democracia, de liberdade, de justiça, de escola. Por esse motivo, carregamos de
verniz as conversas que vamos mantendo, evitando melindrar os outros, pois é
comum, por mais liberais que as pessoas se apresentem, ao verem-se confrontadas
com uma ideia que está do lado de fora das suas crenças, recuarem e fecharem-se
no seu cantinho de segurança. A ideia de segurança contém em gérmen a de
hipocrisia, o facto de se fazer tudo para manter uma aparência de ordem onde
não existe a possibilidade de essa ordem existir. O que existe é uma hipocrisia
instalada.
Os
ricos, por exemplo, têm razões para serem hipócritas e pretenderem defender uma
ordem particular. Eles são ricos, não pretendem que se verifiquem alterações no
seu modo de estar no mundo e na vida. O problema são os pobres. A pobreza não
tem que implicar uma hipoteca da dignidade. No entanto, muitos pobres receiam a
mudança, parecendo crer que têm mais para viver do que a própria miserável vida
que levam.
quinta-feira, 3 de março de 2016
Trovoada
«Lembro-me dessa nuvem, e de rezar ao pé da minha avó, à luz da cera benta, luz parada, que parecia morta, diante dum crucifixo de marfim. Avisto ainda as fosforescências,rubras e azuladas,nos vidros das janelas, seguidas dum estrondo medonho de aéreos desabamentos. A voz do céu faz tremer o mundo. Até a nossa tristeza o impressiona e transfigura. O sonho domina a realidade. Que é a nebulosa, senão um sonho de Deus? A própria História tem uma origem sonâmbula. Os seus primeiros factos são fabulosos, porque foram gerados durante os sonhos dos heróis. A Mitologia é a mesma História, no seu princípio, desenvolvida ainda em pleno sono ou esquecimento. Quem se recorda de haver nascido? Que homem ou povo se recorda? Este esquecimento indefine o começo da nossa existência, quimérico e ilusório, como o seu fim. O berço e o túmulo não são para os olhos de quem neles está deitado.»
Teixeira de Pascoaes, São Jerónimo e a Trovoada
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