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sábado, 25 de maio de 2013

História

«Há uma definição que, de certa maneira, marcou o meu percurso como escritor, sobretudo como romancista, e que, tenho de confessar, recebo com uma certa impaciência. Trata-se do rótulo gasto de que sou um romancista histórico,o que se confirmaria tanto por alguns livros que escrevi como pela minha relação com o tempo e posição perante a história. Quero dizer, não obstante, que antes de começar a escrever sustentava como uma evidência palmária (por outro lado nada original) que somos herdeiros de um tempo, de uma cultura e que, para usar um símile que algumas vezes empreguei, vejo a humanidade como se fosse o mar. Imaginemos por um momento, que estamos numa praia: o mar está ali, e continuamente aproxima-se em ondas sucessivas que chegam à costa. Pois bem, essas ondas, que avançam e não poderiam mover-se sem o mar que está por detrás delas, trazem uma pequena franja de espuma que avança em direcção à praia onde vão acabar. Penso, continuando a usar esta metáfora marítima, que somos nós a espuma que é transportada nessa onda, essa onda é impelida pelo mar que é o tempo, todo o tempo que ficou atrás, todo o tempo vivido que nos leva e nos empurra. Convertidos numa apoteose de luz e de cor entre o espaço e o mar, somos, os seres humanos, essa espuma branca brilhante, cintilante, que tem uma breve vida, que despede um breve fulgor, gerações e gerações que se vão sucedendo umas às outras transportadas pelo mar que é o tempo. E a história, onde fica? Sem dúvida a história preocupa-me, embora seja mais certo dizer que o que realmente me preocupa é o Passado, e sobretudo o destino da onda que se quebra na praia, a humanidade empurrada pelo tempo e que ao tempo sempre regressa, levando consigo, no refluxo, uma partitura, um quadro, um livro ou uma revolução. Por isso prefiro falar mais de vida do que de literatura, sem esquecer que a literatura está na vida e que sempre teremos perante nós a ambição de fazer da literatura vida.»

José Saramago, A Estátua e a pedra

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