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terça-feira, 28 de maio de 2013

Desejar

Desejar é a coisa mais simples e humana que existe. Por que é que, então, até os nossos desejos são para nós inconfessáveis, por que é que é tão difícil transformá-los em palavras? Tão difícil que acabamos por mantê-los escondidos, que construímos para eles, algures dentro de nós, uma cripta onde permanecem embalsamados, à espera.
Não podemos transpor para a linguagem os nossos desejos porque os imaginamos. Na realidade, a cripta contém, apenas, imagens, tal como um livro ilustrado para crianças que ainda não sabem ler; tal como as images d'Epinal de um povo analfabeto. O corpo dos desejos é uma imagem que fazemos dele.
Comunicar a alguém os nossos desejos sem as imagens é uma brutalidade. Comunicar-lhe as imagens sem os desejos é enfadonho (como contar os sonhos ou as viagens). Mas fácil, em ambos os casos. Comunicar os desejos imaginados e as imagens desejadas é tarefa mais árdua. Por isso o adiamos. Até ao momento em que começamos a perceber que permanecerá para sempre sem resposta. E que aquele desejo inconfessado somos nós próprios, para sempre prisioneiros na cripta.
O Messias vem pelos nossos desejos. Separa-os das imagens para os satisfazer. Ou, melhor, para os mostrar já satisfeitos. Aquilo que imaginámos já o tínhamos dito. Restam - impossíveis de satisfazer - as imagens do satisfeito. Com os desejos satisfeitos, ele constrói o inferno; com as imagens impossíveis de satisfazer, constrói o limbo. E com o desejo imaginado, com a pura palavra, constrói a bem-aventurança do paraíso.

Giorgio Agamben, Profanações

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