Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Alusões
«Há dias em que cada coisa que vejo me parece prenhe de significados: mensagens que me seria difícil comunicar a outros, definir, traduzir em palavras, mas que precisamente por isso se me apresentam como decisivas. São anúncios ou presságios que dizem respeito a mim mesmo e simultaneamente ao mundo: e de mim, não os acontecimentos exteriores da existência mas aquilo que acontece dentro, no fundo, e do mundo não um qualquer facto singular mas o modo de ser geral de tudo. Compreendem portanto a minha dificuldade em falar de tudo isto, a não ser por alusões.»
Italo Calvino, Se numa noite de inverno um viajante
52.
«Portanto, o ser humano possui a vida feliz quando a vontade, que é um bem médio, adere ao bem imutável e comum, que não é próprio, como é aquela Verdade da qual muito falámos sem nada dizer que dela seja digno. E a própria vida feliz, isto é, a qualidade que reside num espírito unido ao bem imutável, é o bem próprio e principal do ser humano. Neste bem estão também todas as virtudes, das quais ninguém pode fazer mau uso. Na verdade, não obstante as virtudes serem grandes e principais bens do ser humano, compreende-se facilmente que são próprias de cada ser humano, e não comuns. De facto, é pela Verdade e Sabedoria, comuns a todos, que todos se tornam sábios e felizes, quando se lhes unem. Mas não é por meio da felicidade de um homem que outro se torna feliz, pois mesmo se alguém imitar aquele para ser feliz, o que ele deseja é ser feliz como vê que esse outro se tornou, a saber, por meio daquela Verdade imutável e comum. E não é pela prudência de alguém que outrem se torna prudente, nem forte pela fortaleza de outrem, nem sóbrio pela temperança alheia, nem é pela justiça de um homem que outro se torna justo; mas é conformando o espírito àquelas regras imutáveis e luzes das virtudes que vivem incorruptivelmente na própria Verdade e Sabedoria comuns, às quais aquele que está dotado destas virtudes configurou o seu espírito e nas quais se fixou, e que outro se propôs imitar.»
Santo Agostinho, Diálogo sobre o livre arbítrio
terça-feira, 28 de maio de 2013
Desejar
Desejar é a coisa mais simples e humana que existe. Por que é que, então, até os nossos desejos são para nós inconfessáveis, por que é que é tão difícil transformá-los em palavras? Tão difícil que acabamos por mantê-los escondidos, que construímos para eles, algures dentro de nós, uma cripta onde permanecem embalsamados, à espera.
Não podemos transpor para a linguagem os nossos desejos porque os imaginamos. Na realidade, a cripta contém, apenas, imagens, tal como um livro ilustrado para crianças que ainda não sabem ler; tal como as images d'Epinal de um povo analfabeto. O corpo dos desejos é uma imagem que fazemos dele.
Comunicar a alguém os nossos desejos sem as imagens é uma brutalidade. Comunicar-lhe as imagens sem os desejos é enfadonho (como contar os sonhos ou as viagens). Mas fácil, em ambos os casos. Comunicar os desejos imaginados e as imagens desejadas é tarefa mais árdua. Por isso o adiamos. Até ao momento em que começamos a perceber que permanecerá para sempre sem resposta. E que aquele desejo inconfessado somos nós próprios, para sempre prisioneiros na cripta.
O Messias vem pelos nossos desejos. Separa-os das imagens para os satisfazer. Ou, melhor, para os mostrar já satisfeitos. Aquilo que imaginámos já o tínhamos dito. Restam - impossíveis de satisfazer - as imagens do satisfeito. Com os desejos satisfeitos, ele constrói o inferno; com as imagens impossíveis de satisfazer, constrói o limbo. E com o desejo imaginado, com a pura palavra, constrói a bem-aventurança do paraíso.
Não podemos transpor para a linguagem os nossos desejos porque os imaginamos. Na realidade, a cripta contém, apenas, imagens, tal como um livro ilustrado para crianças que ainda não sabem ler; tal como as images d'Epinal de um povo analfabeto. O corpo dos desejos é uma imagem que fazemos dele.
Comunicar a alguém os nossos desejos sem as imagens é uma brutalidade. Comunicar-lhe as imagens sem os desejos é enfadonho (como contar os sonhos ou as viagens). Mas fácil, em ambos os casos. Comunicar os desejos imaginados e as imagens desejadas é tarefa mais árdua. Por isso o adiamos. Até ao momento em que começamos a perceber que permanecerá para sempre sem resposta. E que aquele desejo inconfessado somos nós próprios, para sempre prisioneiros na cripta.
O Messias vem pelos nossos desejos. Separa-os das imagens para os satisfazer. Ou, melhor, para os mostrar já satisfeitos. Aquilo que imaginámos já o tínhamos dito. Restam - impossíveis de satisfazer - as imagens do satisfeito. Com os desejos satisfeitos, ele constrói o inferno; com as imagens impossíveis de satisfazer, constrói o limbo. E com o desejo imaginado, com a pura palavra, constrói a bem-aventurança do paraíso.
Giorgio Agamben, Profanações
segunda-feira, 27 de maio de 2013
A Prayer in Spring
Oh, give us pleasure in the flowers to-day;
And give us not to think so far away
As the uncertain harvest; keep us here
All simply in the springing of the year.
Oh, give us pleasure in the orchard white,
Like nothing else by day, like ghosts by night;
And make us happy in the happy bees,
The swarm dilating round the perfect trees.
And make us happy in the darting bird
That suddenly above the bees is heard,
The meteor that thrusts in with needle bill,
And off a blossom in mid air stands still.
For this is love and nothing else is love,
The which it is reserved for God above
To sanctify to what far ends He will,
But which it only needs that we fulfil.
And give us not to think so far away
As the uncertain harvest; keep us here
All simply in the springing of the year.
Oh, give us pleasure in the orchard white,
Like nothing else by day, like ghosts by night;
And make us happy in the happy bees,
The swarm dilating round the perfect trees.
And make us happy in the darting bird
That suddenly above the bees is heard,
The meteor that thrusts in with needle bill,
And off a blossom in mid air stands still.
For this is love and nothing else is love,
The which it is reserved for God above
To sanctify to what far ends He will,
But which it only needs that we fulfil.
Robert Frost
sábado, 25 de maio de 2013
História
«Há uma definição que, de certa maneira, marcou o meu percurso como escritor, sobretudo como romancista, e que, tenho de confessar, recebo com uma certa impaciência. Trata-se do rótulo gasto de que sou um romancista histórico,o que se confirmaria tanto por alguns livros que escrevi como pela minha relação com o tempo e posição perante a história. Quero dizer, não obstante, que antes de começar a escrever sustentava como uma evidência palmária (por outro lado nada original) que somos herdeiros de um tempo, de uma cultura e que, para usar um símile que algumas vezes empreguei, vejo a humanidade como se fosse o mar. Imaginemos por um momento, que estamos numa praia: o mar está ali, e continuamente aproxima-se em ondas sucessivas que chegam à costa. Pois bem, essas ondas, que avançam e não poderiam mover-se sem o mar que está por detrás delas, trazem uma pequena franja de espuma que avança em direcção à praia onde vão acabar. Penso, continuando a usar esta metáfora marítima, que somos nós a espuma que é transportada nessa onda, essa onda é impelida pelo mar que é o tempo, todo o tempo que ficou atrás, todo o tempo vivido que nos leva e nos empurra. Convertidos numa apoteose de luz e de cor entre o espaço e o mar, somos, os seres humanos, essa espuma branca brilhante, cintilante, que tem uma breve vida, que despede um breve fulgor, gerações e gerações que se vão sucedendo umas às outras transportadas pelo mar que é o tempo. E a história, onde fica? Sem dúvida a história preocupa-me, embora seja mais certo dizer que o que realmente me preocupa é o Passado, e sobretudo o destino da onda que se quebra na praia, a humanidade empurrada pelo tempo e que ao tempo sempre regressa, levando consigo, no refluxo, uma partitura, um quadro, um livro ou uma revolução. Por isso prefiro falar mais de vida do que de literatura, sem esquecer que a literatura está na vida e que sempre teremos perante nós a ambição de fazer da literatura vida.»
José Saramago, A Estátua e a pedra
sexta-feira, 24 de maio de 2013
40.
Como dizia o outro, mesmo
quando não tiver olhos ainda
te verei: e como nunca até.
Se os vermes os comerem, ou em tição
mudarem antes da leve poeirada,
fina, indetectável,
se os olhos
não estiverem, não abrirem, não
soltarem água,
se os olhos não forem mais do que a memória,
eu te verei então
eu te verei ainda:
e mais que nunca até.
quando não tiver olhos ainda
te verei: e como nunca até.
Se os vermes os comerem, ou em tição
mudarem antes da leve poeirada,
fina, indetectável,
se os olhos
não estiverem, não abrirem, não
soltarem água,
se os olhos não forem mais do que a memória,
eu te verei então
eu te verei ainda:
e mais que nunca até.
Pedro Tamen, Rua de nenhures
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Silêncio
«O silêncio levantou voo e fez mira
sobre as coisas e as suas secretas imagens.
A máquina disparou sobre o mundo, iluminado
pela luz do inverno; os projécteis atingiram-no
por séries de imagens fragmentárias -
fotografias.
Trabalho da cegueira que escolhe
segundo a lenta preferência;
com toda a lentidão
do mundo; a mão dispara ao retardador
sobre as coisas fotografadas, apaga o seu enquadramento
elege e reenquadra um pormenor -
o fragmento de um fragmento.»
sobre as coisas e as suas secretas imagens.
A máquina disparou sobre o mundo, iluminado
pela luz do inverno; os projécteis atingiram-no
por séries de imagens fragmentárias -
fotografias.
Trabalho da cegueira que escolhe
segundo a lenta preferência;
com toda a lentidão
do mundo; a mão dispara ao retardador
sobre as coisas fotografadas, apaga o seu enquadramento
elege e reenquadra um pormenor -
o fragmento de um fragmento.»
Manuel Gusmão, Pequeno tratado das figuras
quarta-feira, 22 de maio de 2013
Vontade
«Digam-me agora: como podia um tal ser, de um invólucro tão pesado, lançar os seus olhares sobre o mundo? Seguramente, as emoções profundas da sua Vontade não eram capazes de determinar, pelo menos de uma maneira distinta, a sua percepção do mundo; elas eram bastante violentas e ao mesmo tempo bastante delicadas para se ligarem a alguma das aparências que o seu olhar tocasse com tímida rapidez - e finalmente com essa desconfiança do eterno insatisfeito. Nada o podia atrair, nada lhe podia oferecer essa ilusão fugidia que atraíra ainda um Mozart para fora do seu mundo interior e o lançara na procura de prazeres exteriores. O prazer infantil dos que procuram as distracções de uma grande cidade de prazer quasi não tocava superficialmente Beethoven: o impulso da Vontade era nele demasiado vigoroso para que pudesse encontrar a menor satisfação numa tal existência, cujo brilho é completamente aparente. Foi assim que ele nutriu pela solidão uma tendência cada vez mais viva, que concordava com a sua necessidade de independência. Um instinto de uma maravilhosa segurança inspirava-o e tornava-se a mola essencial das manifestações do seu carácter. Nenhum raciocínio o teria guiado mais eficazmente que a determinação imperiosa deste instinto.»
Richar Wagner, Beethoven
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Símbolo e constelação de vida
«A concepção do símbolo em Broch tem de ser integrada na concepção mais vasta dos valores, no coração da relação entre a consciência empírica e a consciência pura. O símbolo aparece-lhe mesmo como a protagonização exemplar dessa relação, "a única realização da ideia platónica no mundo empírico"(...). O que significa isto? A resposta é dada na Autobiografia psíquica. Em primeiro lugar, a descoberta da estranheza no âmago familiar, que acaba, como desdobramento da própria experiência, por se converter num sonho. Para Broch, só reencontra o real aquele que experimenta a estranheza no familiar, quer dizer, é pelo sentimento de estranheza que se caminha em direcção a um limiar inexpugnável do si próprio ou da alma (Broch não os distingue)."
Maria Filomena Molder, Símbolo, analogia e afinidade
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Herman Broch,
Maria Filomena Molder
Depois de tudo, fica a lembrança dos lugares e
Depois de tudo, fica a lembrança dos lugares e
dos seus nomes; dos quartos virados a poente
onde as imagens do rio nunca se repetem nas janelas
e todos os enredos são consentidos sobre as camas.
Ao fundo, havia um armário de madeira com espelho
onde as nossas roupas trocavam de perfume
para que os dias se vestissem sempre melhor.
E, sobre a cómoda, num espelho mais antigo,
a tarde reflectia algumas das alegrias da infância.
Não era o quarto de nenhum de nós,
mas a ele regressávamos sempre com a pressa
de quem anseia os cheiros quentes e antigos
da casa conhecida; como quem espera ser aguardado.
Pressenti, porém, que não era eu quem aguardavas:
uma noite, pedi-te mais um cobertor em vez de um abraço.
dos seus nomes; dos quartos virados a poente
onde as imagens do rio nunca se repetem nas janelas
e todos os enredos são consentidos sobre as camas.
Ao fundo, havia um armário de madeira com espelho
onde as nossas roupas trocavam de perfume
para que os dias se vestissem sempre melhor.
E, sobre a cómoda, num espelho mais antigo,
a tarde reflectia algumas das alegrias da infância.
Não era o quarto de nenhum de nós,
mas a ele regressávamos sempre com a pressa
de quem anseia os cheiros quentes e antigos
da casa conhecida; como quem espera ser aguardado.
Pressenti, porém, que não era eu quem aguardavas:
uma noite, pedi-te mais um cobertor em vez de um abraço.
Maria do Rosário Pedreira
domingo, 12 de maio de 2013
Fausto
Ah, tudo é símbolo e analogia!
O vento que passa, a noite que esfria
São outra coisa que a noite e o vento -
Sombras de vida e de pensamento.
Tudo que vemos é outra coisa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
É o eco de outra maré que está
Onde é real o mundo que há.
Tudo que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento
São sombras de mãos cujos gestos são
A ilusão mãe desta ilusão
O vento que passa, a noite que esfria
São outra coisa que a noite e o vento -
Sombras de vida e de pensamento.
Tudo que vemos é outra coisa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
É o eco de outra maré que está
Onde é real o mundo que há.
Tudo que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento
São sombras de mãos cujos gestos são
A ilusão mãe desta ilusão
Fernando Pessoa, Fausto
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