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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O princípio da individuação está presente, enquanto problema, no diálogo entre a pomba e Alice no capítulo V de Alice’s adventures in wonderland e resulta do facto de, ao afirmar ser indiferente que Alice seja uma “little girl” ou “a serpent”, a pomba, no fundo, provocar uma reacção particular de Alice. Como podemos observar a partir da leitura da obra, Alice vai sendo várias coisas sem que esboce uma reacção como aquela que nesta passagem revela. A questão que se coloca, entre outras, é a de que Alice parece pretender ser reconhecida pela pomba como aquilo que ela é, ou por aquilo que ela considera ser. Contudo, não estou certo que ela saiba “o que é”. É esse o seu problema. Passando por várias transformações e diferentes modos de ser nomeada, Alice parece não ser capaz de responder para si própria à pergunta: o que és tu, Alice? Perante esta circunstância, a afirmação da pomba proporciona a Alice a necessidade de ser capaz de se distinguir dos outros e de se reconhecer em si própria. Esta é uma necessidade primordial e um objectivo a cumprir.
De certo modo, a Alice falta um sentido de totalidade que a possa fazer repousar numa identidade pessoal básica, ao nível, por exemplo, da utilidade que essa identidade pode ter para a sua vida prática. Por outras palavras, não sendo capaz de se identificar, nem com aquilo que lhe é dito pela pomba, nem com a construção mental que tem de si mesma, Alice reage, afirmando uma especificidade que não lhe é dada por um nome, mas por uma categoria particular que, eventualmente, poderá ser formulada em termos não muito distantes de: Alice é igual a alguém que não procura ovos, muito menos os da pomba.
Esta definição de Alice, no entanto, peca por ser redutora.
Ao longo da obra encontramos respostas incompatíveis entre si à pergunta “o que é a Alice?”, respostas que escapam àquilo que mais facilmente poderia ser dito: que simplesmente, Alice é algo que depende das circunstâncias. Neste sentido, Alice é mostrada em constante evolução. Uma evolução que a faz ser constantemente outra coisa. Deste modo, da resposta “depende” parece emergir a ideia de que Alice vai sendo isto ou aquilo e que, por esse motivo, a sua definição depende das circunstâncias e das criaturas com que se vai cruzando.
A partir daquilo que acontece a Alice, lembrei-me de uma passagem do Breviário de estética, em que Benedetto Croce afirma que “a vida ulterior do espírito, renovando e multiplicando os problemas, torna, já não falsas, mas inadequadas as soluções precedentes, parte das quais cai no número daquelas verdades que se subentendem, e outra parte deve ser retomada e integrada.” A impressão que sou tentado a registar é a de que, muito mais do que um problema para a Alice, o facto de existir uma dificuldade na sua descrição é um problema para quem pretenda encontrar um sentido para a obra, na medida em que, devido à necessidade de categorizarmos uma coisa, de a arrumarmos, corrermos o risco de não a chegar a intuir da forma mais adequada, que consiste em perceber a sua evolução e o modo como esta evolução, partindo de uma ocorrência, poderá ou não relacionar-se com o que a precedeu e com aquilo que se sucederá.

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