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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Não é minha a intenção de engendrar uma teoria do sonho. Contudo, julgo que poderei propor alguns tópicos de discussão acerca de uma eventual teoria do sonho.
O poema final de Through the Looking-Glass and what Alice found there parece sugerir a ideia de que as únicas crianças boas, são as crianças mortas, quietas, que “não dão trabalho”. Se nos apropriarmos de alguns conceitos de Freud, podemos pensar que o sonho de Alice pode constituir uma espécie de descontracção da censura, momento durante o qual, servindo-se da trégua motivada pelo sono, a personagem transporia a barreira da repressão. Quando a acção decorre ao sabor do sonho, torna-se indiscernível a distinção entre sonho e realidade, visto que, no sonho, tudo adquire uma dimensão de verdade. É nesta perspectiva que Alice, ao longo das duas obras, cresce, também do ponto de vista da relevância do seu papel, nomeadamente quando ascende à condição de “rainha”.
No final da obra, o “fazer de conta” por parte de Kitty recupera a circunstância que ocorre no primeiro capítulo de Through the Looking-Glass, quando Alice afirma ter discutido com a irmã por esta não ter aceite a sua proposta para “fazerem de conta que eram reis e rainhas”. De certo modo, quando, mais adiante, Alice, dirigindo-se a Kitty, afirma “Let’s pretend that you’re the Red Queen”, ela parece estar a assumir a sua gata como uma solução de recurso. O que decorre desta passagem da gata a Rainha de Copas é o castigo a que Alice a condena, colocando-a na “Looking-Glass House”. Ora, no final do último capítulo de Through the Looking-Glass, a reacção da gata parece corresponder a uma espécie de resposta ao castigo do primeiro capítulo. Sendo assim, na perspectiva de que é Alice quem sonha e que, por via do sonho, é capaz de comandar as acções, o facto de Kitty fingir introduz uma variável que me parece digna de atenção.
Apesar de ser comum podermos atribuir interpretações a determinadas acções e gestos de animais, não poderemos afirmar com toda a certeza que aquilo que intuímos acerca desses gestos corresponda ao que se passa, de facto, com o animal em concreto que observámos. Contudo, uma situação deste género é susceptível de ser entendida como verdadeira ao nível do sonho. Neste caso, se entendermos que, no capítulo final de Through the Looking-Glass, Alice acordou, saindo, desse modo, do “outro lado do espelho”, os gestos da gata, nestas novas circunstâncias não deveriam de continuar a ser interpretados dentro do mesmo universo de referências, que, presumivelmente moldariam as reacções de Alice. De certo modo, Alice, mesmo acordando, parece ter dificuldade em estabelecer os limites entre aquilo que é próprio do sonho e aquilo que o não é e, por isso, o seu registo perante Kitty, não parece modificar-se.
A interrogação final colocada no final do capítulo XII de Through the Looking-Glass remete, no fundo, para a eventualidade de em certas circunstâncias se tornarem problemáticas as distinções entre “estar ou não estar” a sonhar e “estar ou não estar acordado”.

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