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terça-feira, 2 de julho de 2013

Inactualidade

«(...) A linguagem histórica e psicológica torna-se um instrumento para comunicar uma visão inactual. Visão que habitualmente se mostra desagradável ao leitor, imediatamente pelo facto de quem a exprime não poder deixar de  prescindir das imagens, dos conceitos e dos personagens do presente. Nietzsche evita esta insídia (isto é, o desinteresse pelos contemporâneos), e fingindo-se imerso na actualidade, efectua, pelo contrário, e precisamente de acordo com essa imersão, a distanciação em relação ao presente. É este até um dos seus segredos, uma das suas realizações mais misteriosas: a arte de atrair mediante a inactualidade vai-se perfeiçoando precisamente neste período. Na época de Basileia, Nietzsche havia procurado exprimir uma posição inactual por um caminho mais directo, evocando como modelo a experiência remota e irrecuperável da tragédia. A ruptura mais radical com o presente era o pressuposto daquela fuga em direcção à Grécia antiga, mas ofuscando a autenticidade daquele ímpeto surgia logo a sua obscura mistura com a musicalidade wagneriana, com qualquer coisa que, e será o próprio Nietzsche a explicá-lo mais tarde, representa naquele momento a quintessência da «actualidade». Separar-se do próprio tempo por se estar demasiado afeiçoado a ele é o que seria lícito dizer dos escritos de Basileia, do mesmo modo que para o período que se está a examinar parece possível  a seguinte caracterização: mantendo um olhar vivo fixado no presente, afastar-se dele em profundidade.
Aqui pode falar-se de «Nietzsche como educador». A vida do homem é considerada, com os olhos de Schopenhauer, como um imutável dado natural, mas o seu manifestar-se no tempo, a história, afinal de contas, não é aparência, antes a única realidade que nos foi concedida. Nietzsche procura separar-se a si e aos seus leitores do próprio tempo, coisa própria do filósofo, sendo mesmo aquilo que caracteriza o olhar filosófico. Mas aquilo que tem realidade é viver e julgar este tempo presente, não mediante as representações do presente e segundo a configuração dos problemas dada no presente, mas tomando sobre si, ao fazer isto, todo o «peso» do passado; ou seja, afastar-se recuando séculos e milénios, e ganhar com este mergulho uns olhos novos, os olhos límpidos do passado.»

Giorgio Colli, Escritos sobre Nietzsche 

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