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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O que me intriga no episódio que decorre entre Alice e o Gamo, na floresta do esquecimento, não é tanto o facto de o Gamo reagir de forma brusca perante a visão de uma human child. O que me intriga é o facto de a memória, ou a ausência dela, ser selectiva. O facto de não haver memória, poderia implicar a amnésia absoluta e completa, inclusivamente em relação ao modo como se fala ou se raciocina. Contudo, não é disso que se trata quando lemos esta passagem de Through the Looking-Glass. Por assim ser, as personagens revelam-se impreparadas quando confrontadas com situações inesperadas. Refiro-me às criaturas que se vão sucedendo ao longo da obra, na sua generalidade, e não tanto em relação a Alice, em relação à qual, a este respeito, tenho algumas dúvidas.
Da sucessão de acontecimentos inesperados emerge uma forma particular de resolução de problemas que envolve a ideia de separação, que, por sua vez, conduz a resoluções. As personagens não se debatem com problemas existenciais quando têm de fazer escolhas. Perante o inesperado, reagem de forma a resolver o eventual problema que desse facto inesperado possa ter resultado. Assim acontece, por exemplo, com o bebé-porco e com a reacção do Gamo perante a human child. Em ambos os casos, a solução é encontrada de imediato, sem hesitações. Se pensarmos que uma das maneiras que temos para resolver situações imprevistas reside no modo como, a partir do nosso vocabulário particular, somos capazes de as descrever, estes exemplos não estão ao mesmo nível, na medida em que, enquanto o Gamo é capaz de imediatamente chamar pelo nome a human child, Alice não encontra no seu vocabulário particular um modo suficientemente eficaz para descrever aquilo que lhe aparece nos braços. Enquanto que o Gamo é capaz de identificar a coisa que tem diante de si através de uma categoria, que a descreve, com Alice não acontece o mesmo, perante o bebé-porco. As reacções das personagens, contudo, talvez possam ser explicadas à luz da ideia de “fazer de conta”, que podemos associar a Alice, mas não ao Gamo. Por outras palavras, o facto de não ser capaz de encontrar uma descrição susceptível de ser acomodada no seu vocabulário particular, não impede Alice de continuar o seu percurso. Pelo contrário, no caso do Gamo, a identificação da categoria a que pertence Alice, condu-lo à fuga. Será que, o facto de sermos capazes de nomear nos traz mais problemas do que vantagens? Não sei como responder a esta questão, mas, na medida em que, “fazer de conta” pode ser uma estratégia para contornar situações complicadas, Alice terá sempre uma maior capacidade de adaptação a situações novas do que o Gamo. Nas suas deambulações, Alice descobre aquilo que é, em si mesma, por oposição aos outros que vai encontrando e, na distinção daí resultante, vai sendo gradualmente capaz de se afirmar na sua especificidade.

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