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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A leitura do diálogo entre Alice e Humpty Dumpty que ocorre no capítulo 6 de Through the Looking Glass, confrontou-me com o trabalho que esporadicamente faço de tradução e com aquilo de que não gosto quando traduzo. Com efeito, quando traduzo não posso deixar de ser um pouco como o Humpty Dumpty, devido ao facto de, chegado a um momento preciso, me ver obrigado a decisões que implicam uma certa forma de exercício de poder sobre um determinado texto. Acontece que o exercício da tradução é deflaccionário, na medida em que implica o recurso frequente a interrupções no processo de leitura, com vista a descobrir o sentido mais aproximado de palavras ou de frases e conjuntos de frases de um texto. No fundo, quando traduzo, não sou capaz de subalternizar a minha condição de leitor, habitualmente entretido em procurar adquirir o estatuto de participante em discussões nascidas de uma leitura. Em vez disso, quando traduzo, passo a ocupar o lugar de um poder de que não gosto, por não ser originariamente meu, e, por isso mesmo, sentir constantemente os grãos de areia escaparem entre os dedos da mão, com isso traindo a voz que se encontra presente no texto original. Do que acabo de dizer, resulta uma diferença fundamental entre mim e o Humpty Dumpty: ele sabe do poder que tem, eleva-o a uma dimensão superior e, desse modo, exerce a gosto o poder que lhe é conferido na determinação dos sentidos do texto. Apetece dizer que, no fundo, uma grande parte das pessoas é capaz de falar de tudo e a tudo se referir com “autoridade”, tal como a personagem.

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