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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Beach House - Levitation

Para a Dedicação de um Homem

Terrível é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo de searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra desse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia

Ruy Belo, «Aquele grande rio Eufrates»

segunda-feira, 29 de junho de 2015

terça-feira, 23 de junho de 2015

Não criamos as palavras

Não criamos as palavras.
O Verbo é que, em nós,
Se fez palavra.

A palavra humana
deriva do Verbo divino
e toca o silêncio das coisas,
mudas porque disseram tudo.

E, porque disseram tudo,
são perfeitas
no seu recorte definido.

A voz
só existe nos seres indefinidos
ou que têm ainda que dizer.

Mas a palavra
entoa no silêncio das coisas
e torna-se mais profunda.

Teixeira de Pascoaes

sábado, 13 de junho de 2015

Best Coast - "California Nights" (Live from Public Radio Rocks at SXSW 2...

O Remorso

«O Remorso não é igual ao que era, quando a Crença era forte e a Religião viva e austera. No findar deste século passam-se dramas pavorosos, que em vão a Humanidade procura explicar - e que atiram para a loucura os desequilibrados...
Aí tem Marcas, o violento aquafortista, cuja obra, de uma originalidade quase feroz, arrepia. Vivia à parte e a Arte era tudo para ele, sem se sacrificar ao público, arredado e intratável.
Músico de génio também, as suas águas-fortes, que o eminente crítico Ch. Maurice cita quase como um prodígio, ressentem-se da sua paixão pelas músicas desordenadas e evocadoras de coisas sinistras em decoros simples e trágicos. Um dia deste mês passado chega à polícia, perdido, o olhar fixo, e diz:
- Ela quer que diga que fui eu que a assassinei. Podem-me prender...
Estava doido? Não: a sua confissão era verdadeira. A traços rápidos eis aqui a parte importante da sua história:
Nervoso, e de uma sensibilidade de doente, intratável, como disse, a Vida, que para ele era dura, afligia-o. Desconhecido o seu génio, insultado muitas vezes; quando recolhia, fazia sofrer a mulher, uma pobre alma tímida, que só a ele via na terra. Muitas vezes compreendo esta necessidade de torturar alguém quando sofro... Um dia de perversidade, talvez desesperado, por ver que ela o sofria sempre resignada, matou-a. O crime foi atirado para as costas de um assassino vulgar. A concierge disse ter visto uma cara suspeita subir as escadas do prédio, e ninguém pensou que Marcas fosse capaz de matar.
Mas a sua vida, então, passou a ser estranha. Cavado pelo remorso, alucinado, não podia estar só, viver só: morria de pavor. A música, que ele tocava no violino, enlouquecia, como feita de gemidos de assassinados, ora rouca, com estertores de epilepsia, já triste e simples como fora talvez o último olhar da sua mulher. Perdia-se nos becos, andava sempre, para se cansar, para dormir; mas chegado a casa, impossível!... Ei-la que lhe aparecia, não em atitude de se vir vingar, mas pior, bem pior, resignada e triste!... A princípio vomitava-lhe infâmias, numa fúria. Lembrou-se do álcool, para se esquecer, e nunca conseguiu que ela o deixasse: até que um dia - conta ele -, com um olhar de piedade, a alma de sua mulher materializada pegou-lhe na mão e levou-o à polícia...»

Raúl Brandão, in A Pedra ainda espera dar flor» 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Mogwai - Take me somewhere nice

Democracia

A democracia deixou de existir. De tal modo se vulgarizou a ideia igualitária, de acordo com a qual todos são iguais e todos sabem tudo, que agora se generalizou uma outra ideia, a de que qualquer pessoa pode emitir uma opinião sobre tudo, mesmo com um elevado grau de certeza. Até porque o eleitor deixou de ser um cidadão, mas sobretudo um consumidor. Nomeadamente eleitoral. O voto passou a ter um preço.
Uma coisa são os direitos consagrados por lei, os direitos constitucionais, por exemplo, outra coisa, bem diferente, é pensar-se que se pode dizer tudo o que apetece, com toda a certeza do mundo e do modo mais assertivo possível.
A este propósito apetece convocar a ideia de morte e a simbologia particular do Panteão Nacional. Nos últimos tempos a última morada dos homens e das mulheres ilustres do meu país estava consagrada apenas aos poucos que, de facto, se tinham entregado a uma missão superior ao serviço dos outros, nos domínios cultural e político. Com a entrada de um jogador de futebol nesse panteão, tudo se altera.
Com efeito, de um momento para o outro, e apenas movidos por um interesse imediato e eleitoralista, todos os partidos representados na Assembleia da República decidiram que o Panteão Nacional se deveria democratizar. Eu direi, vulgarizar.
Noutros países existem lugares específicos onde se imortalizam aqueles a quem o povo dedica afeição, mesmo depois de falecidos. Em Portugal isso não chega.
De certo modo, ao ver entrar algumas figuras públicas no Panteão Nacional, o povo sente que também ele ali está representado, e sente-se aconchegado...
O problema diz respeito aos patamares de exigência que colocamos em nós próprios e, por conseguinte, na vida e no mundo que nos rodeia.
O patamar de exigência português é muito raso.

Lisa Gerrard & Denez Prigent - Gortoz A Ran

Crepúsculo

«Crepúsculo é a palavra mais rica de sentido: o verbo das fontes e a Bíblia, a revelação das trevas e da luz, a do primeiro vagido e a do último suspiro. É a passagem do aquém para o além, do nada para o tudo; e é esse indefinido misterioso em que aparece e desaparece a Criação. Não é o homem o crepúsculo vespertino do Orango e o matinal de Adão? Assim seja...»

Teixeira de Pascoaes, Santo Agostinho