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sábado, 5 de julho de 2014

Eu

«Contudo abençoada pela imagem e pela imagem amaldiçoada é a vida humana; só em imagens ela consegue captar-se a si própria, impossíveis de desterrar são as imagens, estão em nós desde os primórdios dos rebanhos, são anteriores e mais fortes do que o nosso pensar, estão na intemporalidade, encerram em si passado e presente, são dupla recordação de sonhos e são mais poderosas que nós: ele próprio era imagem, ele que ali jazia, e dirigindo-se para a realidade mais real, levado por invisíveis ondas, mergulhando nelas, era a imagem do navio a sua própria imagem, vinda das trevas, metendo-se nas trevas, mergulhando nas trevas, ele próprio era o barco imenso, que é simultaneamente ele mesmo a imensidade, e ele próprio era a fuga, que se dirige para esta imensidade, ele próprio o barco em fuga, ele próprio a meta, imenso ele próprio, imenso, impossível de abranger, impossível de imaginar, uma infinita paisagem corpórea a paisagem do seu corpo, uma imagem do mundo subterrâneo da noite que poderosamente se estende, de tel modo que ele, despojado da unidade da vida humana, despojado da unidade da saudade humana, já há muito se considerava incapaz de dominar o seu próprio eu, conhecendo todas as separadas regiões e províncias em que o Eu uno, único, estendido por sobre o infinito, tivera de se dividir...»

Herman Broch, A Morte de Virgílio

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