«Dois dias de viagem apartam um homem - e especialmente um jovem que ainda não criou raízes firmes na vida - do seu mundo quotidiano, de tudo quanto costuma considerar os seus interesses, cuidados e projectos; apartam-no muito mais do que esse jovem imaginava no fiacre que o levava à estação. O espaço que, girando e fugindo, se punha de permeio entre ele e a estação de origem, desenrolou forças que geralmente se julgam privilégio do tempo; de hora em hora o espaço determina transformações íntimas, muito parecidas com aquelas que o tempo origina, mas que, de certo modo, as ultrapassam.
Tal qual o tempo, o espaço gera o olvido; fá-lo porém, desligando a pessoa humana das suas contingências e pondo-a num estado livre, primitivo; chega até mesmo a transformar, num só golpe, um pedante ou um burguesote numa espécie de vagabundo. Dizem que o tempo é como o rio Lete; mas também o ar de paragens longínquas representa uma poção semelhante, e o seu efeito, posto que menos radical, não deixa de ser mais rápido.»
Thomas Mann, A Montanha Mágica
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