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sábado, 5 de janeiro de 2013

Morte

«É provável que o pensamento filosófico tenha nascido como reflexão sobre o começo, sobre o arkhé - como nos ensinam os pré-socráticos -, mas essa reflexão foi certamente inspirada pela constatação de que as coisas, para além de um começo, também têm um fim. Por outro lado, o exemplo clássico do silogismo (logo, de um raciocínio incontestável) é: «Todos os homens são mortais, Sócrates é homem, logo Sócrates é mortal.» Que Sócrates também é mortal é o resultado de uma inferência, mas que todos os homens o sejam é uma premissa indiscutível. Muitas outras verdades indiscutíveis (que o Sol gira à volta da Terra, que há uma geração espontânea, que a pedra filosofal existe) foram revogadas pela dúvida ao longo da História - mas que todos os homens sejam mortais, não. No máximo, os crentes assumem que houve Um que ressuscitou: mas para poder ressuscitar teve de morrer.
É por isto que quem pratica a filosofia aceita a morte como o nosso horizonte normal, e não foi necessário esperar por Heidegger para que se afirmasse que quem pensa vive para a morte. Escrevi «quem pensa» referindo-me ao pensamento filosófico, porque conheço muitas pessoas, mesmo cultas, que quando alguém fala na morte (e nem sequer na deles) fazem logo gestos de esconjuro. O filósofo não, sabe que deve morrer e vive operosamente nesta espera. Quem acredita numa vida sobrenatural espera a morte com serenidade, mas espera-a igualmente com serenidade quem pensa (como Epicuro) que, quando o momento chega, não nos devemos preocupar, porque, nesse instante, já cá não estaremos.»

Umberto Eco, A Passo de Caranguejo, Guerra quentes e populismo mediático

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