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sábado, 16 de junho de 2012

Consciência

«O homem só pela inconsciência e pela ignorância pode ser feliz. O tipo da felicidade é a criança. Uma criança só não é feliz quando é doente; e a essa doença anda ligada uma anormal consciência de si.
O homem principia por não ter consciência da sua pequenez perante o espaço, nem de nunca nitidamente compreender a sua insignificância perante o tempo.
A nossa força é a inconsciência da nossa fraqueza. A nossa valentia é a inconsciência do perigo. A nossa coragem ante a morte é a inconsciência do que de mistério e horror a morte representa.
O que é que nos pode dar prazer ou grandeza? Alguma coisa do sentir? Nenhuma; porque []
O saber? A única felicidade do saber é o ignorar, é a inconsciência do quanto se não sabe, nem nunca se saberá. O nosso prazer na acção vem apenas de não medirmos quão limitado e inútil todo o acto humano radicalmente é.
Somos animais essencialmente lógicos, na superfície da nossa consciência de nós mesmos. Mas a lógica é a grande suicida; todo o argumento, bem prolongado e encaminhado, morre, e mata a lógica em si, como os crentes dizem que quem quer crucificar Cristo em sua alma pode ser pecador. Bem [] todo o sistema metafísico leva ao cepticismo, mas a razão é incompetente para se provar incompetente, por isso necessita de provar a sua competência. O círculo vicioso é a única realidade lógica. O sofisma mesmo é que é real; a certeza é que não existe.
Se nos entregamos ao sentimento, a nossa natureza de lógicos pede-nos que nos expliquemos porquê: Se a um sentimento considerado geral e universal, a lógica da metafísica pede contas com razão; se a um sentimento individual, a lógica pergunta porque há-de o individual ser escolhido. E, persistindo, pergunta se o individual, sendo [] por individual, não será um erro, visto toda a individualidade ser realmente conjunta, mesmo psiquicamente.»

Fernando Pessoa, «O Eremita da Serra Negra»

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