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Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Elias

Amanhã cumprem-se duas semanas desde que passei a estar contigo de um maneira diferente

Sinto-me em queda e comigo caminham aqueles de quem mais gosto. Os cabelos brancos parecem confirmar uma espécie de chamamento fatal. Aparentemente sorrio e aqueles com quem vou estando pensam que sorrio de facto, mas eu sou apenas o melancólico que se mostra na vida como dançarino. Enganam-se porque julgam que o sorriso que lhes ofereço é apenas a única roupa que me serve enquanto vou enganando a vida. Onde está a frescura de outros tempos? Daqueles tempos em que havia sempre uma esplanada e uma mesa de onde podia contemplar a distância do tempo? Longinquamente recordo feliz um tempo em que ansiosamente esperava uma mão que se estendesse para mim e que comigo viesse ter.
De todo esse passado recordo o meu avô e o seu maior dom: o de dar. No teu ocaso, Elias, me vejo penitente e as lágrimas que verto por dentro doem-me, pesam-me de uma forma dura. Não era este o adjectivo que deveria utilizar quando falo de ti, Elias. À dureza da vida sempre soubeste reagir como um príncipe. Embora não o saibas, talvez porque nunca to tenha dito, ensinaste-me a olhar a direito na vida e a seguir de cabeça levantada, mesmo quando as circunstâncias se tornavam difíceis. Ensinaste-me que a maior riqueza de um homem é a sua honradez e a sua honestidade. Dirás que o teu legado será pequeno. Pois bem, em verdade te digo, Elias, que, por mim, podes ficar descansado: eu dou-me por muito contente por ser teu neto. E orgulhoso também. Embora não o saibas, existem pessoas que estão todos os dias comigo e que, embora nunca te tenham visto, sabem quem tu és. Na verdade, os meus alunos, que hoje em dia são uma parte importantíssima de mim, aqueles a quem mais directamente me entrego todos os dias, sabem que eu tenho um avô que, embora tenha oitenta e nove anos, é um jovem. Muitas vezes lhes tenho dito que em alguns momentos eles pensam à velho e que te deviam conhecer para saberem que a velhice ou juventude de uma pessoa não se mede pela idade que é mostrada pelo bilhete de identidade.
Às vezes tento recordar o tempo em que te acompanhava ao Seminário ou ao Cristo-Rei. Nesse tempo eu era feliz. Esse tempo feliz passei-o contigo, Elias, e tu estarás sempre ligado a um período em que o tempo não existia para mim e em que apenas existia agora.
Vou contar-te agora um segredo. Por mais que eu me faça de forte, eu choro enquanto te escrevo. Choro porque te tenho e tu serás sempre o meu avô. Choro porque um dia estaremos juntos num lugar qualquer, em paz. Choro por te ter tido e por tu teres gostado de mim. Enfim, detesto este sentimento de perda que me deixa completamente vulnerável. Gostava que a vida fosse diferente. Não sei como poderia ser se não fosse assim, mas gostava. No fundo, digo-te isto porque eu sou mesmo assim: acho que as coisas, por mais evidentes que sejam, podem ou podiam ter sido diferentes ou feitas de maneira diferente. Mas este é o meu lado mais atormentado e mais sedutor simultaneamente.
Beijo-te, Elias

1 comentário:

João Fernandes disse...

Grandioso! Abraço!