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Oeiras, Portugal
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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

54.

«O que faz, afinal, toda a filosofia moderna? Desde Descartes - e isso mais a despeito dele do que baseado nele - todos os filósofos cometem um atentado contra o velho conceito de alma, sob a aparência de uma crítica do conceito de sujeito e de predicado - isto é: um atentado contra o postulado fundamental da doutrina cristã. A filosofia moderna, como cepticismo teórico do conhecimento, é, abertamente ou às ocultas, anticristã: ainda que, diga-se para os ouvidos mais subtis, de modo nenhum seja anti-religiosa. Outrora acreditava-se «na alma» como se acreditava na gramática e no sujeito gramatical: dizia-se «eu» é condição, «penso» é predicado e condicionado - pensar é uma actividade para a qual é necessário supor um sujeito como causa. Tentou-se então, com uma tenacidade e uma astúcia admiráveis, sair desta teia, - ver se o contrário não poderia, talvez, ser verdadeiro: «penso» condição, «eu» condicionado; «eu» seria, portanto, só uma síntese feita pelo próprio pensamento. No fundo, Kant queria demonstrar que o sujeito não podia ser demonstrado a partir do sujeito, - o mesmo em relação ao complemento: a possibilidade de uma existência aparente do sujeito individual, da «alma» portanto, não parece ter-lhe sido sempre estranha, pensamento este que, como filosofia do Vedanta, já existiu e teve enorme poder sobre a terra.»

Nietzsche, Para além de bem e de mal 

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