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Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O intelecto, como meio para a conservação do indivíduo, desenvolve as suas forças dominantes na dissimulação, pois este é o meio graças ao qual os indivíduos mais fracos, os menos robustos, se conservam e aos quais está vedado lutar pela existência com o auxílio de chifres ou de dentes afiados das feras. No homem, esta arte da dissimulação atinge o seu ponto mais alto; nele a ilusão, a lisonja, a mentira e a fraude, o falar nas costas dos outros, o representar, o viver no brilho emprestado, o usar uma máscara, a convenção que oculta, o jogo de cena diante dos outros e de si próprio, numa palavra, o esvoaçar constante em torno dessa chama única, a vaidade, são de tal modo a regra e a lei que não há quase nada mais inconcebível do que o aparecimento nos homens de um impulso honesto e puro para a verdade. Estes estão profundamente submergidos em ilusões e visões oníricas, o seu olhar só desliza pela superfície das coisas e vê aí «formas», a sua percepção não conduz em parte alguma à verdade mas satisfaz-se com receber estímulos e, por assim dizer, com um jogo tacteando a custo das coisas. Além disso, de noite o homem deixa-se, durante uma vida inteira, enganar em sonhos, sem que o seu sentimento moral jamais procure evitá-lo, ao passo que parece haver homens que deixaram de ressonar pela simples força de vontade. Que é que o homem no fundo sabe acerca de si mesmo? Sim, se ele conseguisse ao menos uma vez percepcionar-se completamente como se estivesse metido num expositor de vidro iluminado! Não é que a natureza lhe oculta a maior parte das coisas, mesmo sobre o seu corpo, para banir e fixá-lo longe das dobras intestinais, longe do rápido fluir da corrente sanguínea e dos estremecimentos emaranhados das fibras, numa consciência orgulhosa e malabarista! A natureza deitou fora a chave e ai da fatídica curiosidade que conseguisse, através de uma fenda, olhar para fora e para baixo da câmara da consciência e que agora pressentia que o homem assenta no impiedoso, no sôfrego, no insaciável, no homicida, na indiferença do seu não saber e como que suspenso em sonhos preso nas costas de um tigre. De onde, com os diabos, vem nesta constelação o impulso da verdade?

Fr. Nietzsche, Acerca da Verdade e da Mentira

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