Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
sábado, 16 de janeiro de 2021
Silêncio
Quando Luísa lhe disse que lhe ligava quando tivesse alguma coisa para lhe dizer, João compreendeu que o mundo tinha mudado, pelo menos o seu mundo. Antes, não era preciso dizer nada, bastava o brilho que em ambos se cruzava proveniente das esperanças que acalentavam e na satisfação que sentiam pelo simples facto que estarem juntos. Isso aconteceu antes, quando ainda não se tinha a noção da dimensão do buraco para onde a pandemia os estava a levar. Desde março que tudo mudou, a princípio ainda havia a expetativa de que a vida voltaria ao normal num horizonte aceitável, se se pode assim dizer. Contudo, o tempo foi passando e, com ele, não foi apenas a manutenção do estado das coisas, mas também a acentuação de um afastamento. Com o tempo, as pessoas passaram a viver para dentro, a fechar-se em casulos repletos de receios, hesitações, medos. O fechamento de cada um para dentro de si próprio, começou por se revelar nas relações com os mais próximos, para, aos poucos, começar a fazer estrada e a conduzir muitas pessoas por caminhos até então desconhecidos. Fechadas nos seus casulos, as pessoas, porque alheias ao mundo exterior, porque o passaram, entretanto, a ver como uma ameaça, adquiriram um espírito de medo em relação ao outro, ao seu semelhante, como se não estivéssemos todos na mesma situação. O outro, aos poucos, passou a ser, ele próprio, a raiz da ameaça e, então, deu-se um fenómeno inquietante. Considerando-se perseguidas por uma ameaça invisível, muitas pessoas começaram a reagir de maneira epidérmica, levadas por uma irritação incontrolável, que procuravam tratar como quem tem uma borbulha e a coça constantemente. O resultado foi o esperado, a borbulha infetou. O pus resultante da infeção, rapidamente começou a alastrar e, gradualmente, contagiadas, as pessoas começaram a reagir como se o mal que sobre todos caiu tivesse sido causado pela primeira pessoa que lhes aparecia à frente. Um mundo com tais contornos é um mundo doente.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2021
Ruído
À superfície existe um ruído, nascido de um murmúrio, insistente. Com a sua continuidade, o murmúrio deu lugar a este ruído bruto, insone. Um ruído provocado pela insatisfação e pelo ressentimento. Durante a minha vida, procurei sempre combater o ressentimento e as suas origens, em virtude de tudo aquilo que por detrás dele se esconde.O ressentimento é a ferramenta de que a frustração se serve para se manifestar. Nem sempre estive desperto para a dimensão da poesia de Ricardo Reis, mas, com o tempo, fui-me apercebendo de que a paz que nele se observa, advinda da sua capacidade para se colocar à margem do ruído desnecessário, bem como da inexistência de expetativas, é um meio para se alcançar uma salvação de características particulares. Com efeito, a ausência de expetativas não é necessariamente a manifestação de um procedimento em perda permanente, mas, em grande medida, o espelho de uma compreensão particular do mundo que remete para a ideia de que a humanidade é o que é e que em relação a ela não devemos criar a ilusão de que se venha a manifestar num modo virtuoso. Eu sou um cristão desnaturado, daqueles que trazem consigo a marca mais elevada da experiência manifestada, através do exemplo de Cristo. O perdão é a chave para uma vida virtuosa, pois é o perdão que é capaz de fazer nascer em cada dia, através de um coração limpo do pó da estrada, a esperança redentora da fraternidade.