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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

terça-feira, 30 de julho de 2013

stereo total - l amour a trois

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Fim

«Bato à porta de um homem que sabe que vai morrer. Espero que o homem me diga como se sente um homem que sabe que vai morrer. Preparou a família para que o luto deles resultasse menos difícil. Despediu-se de quem queria despedir-se.
O enfermeiro faz-lhe a barba para que se mantenha digno apesar do pijama, das fraldas, da barba. O  homem olha-me, a estranha, com os olhos esbugalhados durante uns segundos, e a seguir revira-os. Não cheguei a tempo. O homem já não pode falar. Está apenas concentrado em morrer, e parece ser uma tarefa que exige um tremendo esforço.
Manual de sobrevivência:
2 - Pensar na morte com detalhe. Não pensar no todo.»

Susana Moreira Marques, Agora e na hora da nossa morte

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Riceboy Sleeps - Happiness - (26 of 31)

La voce

Ogni giorno il silenzio della camera sola
si richiude sul lieve sciacquío d'ogni gesto
come l'aria. Ogni giorno la breve finestra
s'apre immobile all'aria che tace. La voce
rauca e dolce non torna nel fresco silenzio.

S'apre come il respiro di chi sia per parlare
l'aria immobile, e tace. Ogni giorno è la stessa.
E la voce è la stessa, che non rompe il silenzio,
rauca e uguale per sempre nell'immobilità
del ricordo. La chiara finestra accompagna
col suo palpito breve la calma d'allora.

Ogni gesto percuote la calma d'allora.
Se suonasse la voce, tornerebbe il dolore.
Tornerebbero i gesti nell'aria stupita
e parole parole alla voce  sommessa.
Se suonasse la voce anche il palpito breve
del silenzio che dura, si farebbe dolore.

Tornerebbero i gesti del vano dolore,
percuotendo le cose nel rombo del tempo.
Ma la voce non torna, e il susurro remoto
non increspa il ricordo. L'immobile luce
dà il suo palpito fresco. Per sempre il silenzio
tace rauco e sommesso nel ricordo d'allora.

Cesare Pavese, Lavorare stanca

domingo, 14 de julho de 2013

Take Me To The River - Talking Heads

Reverso

Eu sei que me vais encontrar, morte,
em cada senda de atormentadas almas,
em cada falésia onde contive o suicídio e as
lágrimas,
eu sei que em cada recanto, em cada ferida
aberta e luminosa,
há um labirinto sem fim,
um jogo de nocturnas deambulações, uma
embriaguez ao acaso de tudo o que nasce e
nascendo
começa a perder-se, devastando as páginas
com os seus insectos negros,
as suas letras que se unem sempre aquém do
pensamento,
tal como outrora se uniam os amantes em seu
jardim.

José Agostinho Baptista, Agora e na hora da nossa morte

sábado, 13 de julho de 2013

The Drums - Days

Verdade

O intelecto finito não pode, pois, atingir com precisão a verdade das coisas através da semelhança. Com efeito, a verdade não é susceptível de mais nem de menos e consiste em algo de indivisível, não a podendo medir com precisão nada que não seja o próprio verdadeiro, tal como o que não é círculo não pode medir o círculo, cujo ser consiste em algo de indivisível. Assim, o intelecto que não é a verdade jamais compreende a verdade de modo tão preciso que ela não possa ser compreendida de modo infinitamente mais preciso, pois ele está para a verdade como o polígono para o círculo: por mais ângulos que tenha inscritos, tanto mais semelhante [será] ao círculo, mas nunca será igual, ainda que se multipliquem os seus ângulos até ao infinito, a não ser que se resolva na identidade com o círculo.
É, pois, evidente que nada mais sabemos do verdadeiro a não ser que, tal como é, é incompreensível com precisão, comportando-se a verdade em relação a si como necessidade absoluta, que não pode ser nem mais nem menos do que aquilo que é, ao passo que o nosso intelecto se comporta como possibilidade. Portanto, a quididade das coisas, que é a verdade dos entes, é inatingível na sua pureza, e, procurada por todos os filósofos, não foi, no entanto, tal como é, encontrada por nenhum. E quanto mais profundamente doutos formos nesta ignorância, tanto mais nos aproximaremos da própria verdade.

Nicolau de Cusa, A Douta Ignorância 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Bach, Variaciones Goldberg BWV 988. András Schiff, piano

Art gives us form and clarity and grace,

Art gives us form and clarity and grace,
Nature a singing-freshness, pulse and pace.
Dear András, in your natural art,one thing
Rings through the varied air - the urge to sing.
A constant tonic was what Bach once drew.
So, as you pour it, is this draught from you.

So, as I drink it, does my mind grow clear,
Clear too my dormant heart, my deadened ear.
How could I,like poor Goldberg, hope to sleep?
I laugh, surprised ny pleasure, and I weep.
For all of this my thanks: for storm, for calm,
For all that music is, both barb and balm.

Vikram Seth

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Pat Metheny Group - Imaginary Day Live_Heat Of The Day

Navio Naufragado

Vinha dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos dos videntes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 7 de julho de 2013

PJ Harvey Rid of Me

234.

O cameretta, che già fosti un porto
a le gravi tempeste mie diurne,
fonte se' or di lagrime notturne,
che 'l dì celate per vergogna porto!

O letticciuol, che requie eri e conforto
in tanti affanni, di che dogliose urne
ti bagna Amor, con quelle mani eburne,
solo vèr' me crudeli a sì gran torto!

Né pur il mio secreto, e 'l mio riposo,
fuggo, ma più me stesso, e 'l mio pensero
che, seguendol talor, levommi a volo;

e 'l vulgo, a me nemico, et odioso
(chi 'l pensò mai?), per mio refugio chero:
tal paura ho di ritrovarmi solo.

Francesco Petrarca, Rime

sábado, 6 de julho de 2013

Bjork & PJ Harvey perform 'I Can't Get No Satisfaction'

Em tormentos cruéis, tal sofrimento

Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
Em tão contínua dor, que nunca aliva,
Chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
Se ria dos meus rogos, no tormento;

E ver no mal que todo entendimento
Naturalmente foge, e quanto aviva
A dor mais o vagar da alma cativa,
A quem não fará crer que é tudo um vento?

Bem sei uns olhos que tem toda a culpa,
e são os meus, que a toda a parte vem
Após o que vem sempre e os desculpa.

Ó minhas visões altas, meu só bem,
Quem vos a vós não vê, esse me culpa,
E eu sou o só que as vejo, outrem ninguém.

Francisco de Sá de Miranda 

Gisela João | Aracelia

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Vulcão

Embora não o digas
eu sei que ao abrir e fechar a porta
as chaves da minha amargura te acordam.
Não é uma sirene,
o uivo do lobo,
nem sequer um estrondo que começa nos
alicerces
e sobe vertiginosamente para as têmporas.
É como uma pancada surda que acontece
ao longe,
nos santuários do fogo,
e vem,
martelando os seus tambores ardentes,
atirando a lava que desce para o pavor
dos filhos,
para a sua música de sinos arrancados ao
céu.

José Agostinho Baptista

quinta-feira, 4 de julho de 2013

[HD] Jim James - State of the Art (A E I O U )

230.

«As pessoas não o pensam, mas sabem-no, decerto para o saberem melhor. As vidas têm o tamanho que o seu ritmo lhes impõe. Há-as de ritmo lento e de ritmo acelerado. E há assim um ponto em que se atinge o limite que esse ritmo determina. Há os que o atingem ainda novos, e os que o atingem apenas na velhice. É o ponto máximo para lá do qual a vida já não tem sentido. Mas a morte nem sempre está atenta a essa relação. Assim alguns se matam para se acertarem com ela, por na sua distracção se ter atrasado. Mas outros morrem,  porque a vida se encarregou de efectuar a coincidência. Os velhos sabem-no melhor que ninguém, porque se lhes torna evidente  que atingiram o limite. Mas mesmo os novos podem perceber isso. Porque há um momento em que sentem que o que se segue já está a mais. Mas há também os que não dão conta da coincidência e se distraem com a morte. E são os póstumos a si mesmos.»

Virgílio Ferreira, Pensar


She & Him- I Could've Been Your Girl

terça-feira, 2 de julho de 2013

Inactualidade

«(...) A linguagem histórica e psicológica torna-se um instrumento para comunicar uma visão inactual. Visão que habitualmente se mostra desagradável ao leitor, imediatamente pelo facto de quem a exprime não poder deixar de  prescindir das imagens, dos conceitos e dos personagens do presente. Nietzsche evita esta insídia (isto é, o desinteresse pelos contemporâneos), e fingindo-se imerso na actualidade, efectua, pelo contrário, e precisamente de acordo com essa imersão, a distanciação em relação ao presente. É este até um dos seus segredos, uma das suas realizações mais misteriosas: a arte de atrair mediante a inactualidade vai-se perfeiçoando precisamente neste período. Na época de Basileia, Nietzsche havia procurado exprimir uma posição inactual por um caminho mais directo, evocando como modelo a experiência remota e irrecuperável da tragédia. A ruptura mais radical com o presente era o pressuposto daquela fuga em direcção à Grécia antiga, mas ofuscando a autenticidade daquele ímpeto surgia logo a sua obscura mistura com a musicalidade wagneriana, com qualquer coisa que, e será o próprio Nietzsche a explicá-lo mais tarde, representa naquele momento a quintessência da «actualidade». Separar-se do próprio tempo por se estar demasiado afeiçoado a ele é o que seria lícito dizer dos escritos de Basileia, do mesmo modo que para o período que se está a examinar parece possível  a seguinte caracterização: mantendo um olhar vivo fixado no presente, afastar-se dele em profundidade.
Aqui pode falar-se de «Nietzsche como educador». A vida do homem é considerada, com os olhos de Schopenhauer, como um imutável dado natural, mas o seu manifestar-se no tempo, a história, afinal de contas, não é aparência, antes a única realidade que nos foi concedida. Nietzsche procura separar-se a si e aos seus leitores do próprio tempo, coisa própria do filósofo, sendo mesmo aquilo que caracteriza o olhar filosófico. Mas aquilo que tem realidade é viver e julgar este tempo presente, não mediante as representações do presente e segundo a configuração dos problemas dada no presente, mas tomando sobre si, ao fazer isto, todo o «peso» do passado; ou seja, afastar-se recuando séculos e milénios, e ganhar com este mergulho uns olhos novos, os olhos límpidos do passado.»

Giorgio Colli, Escritos sobre Nietzsche