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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Por vezes, julgamos acreditar que a memória é uma coisa fiável. Mas não é. Quanto muito, a haver alguma fiabilidade na memória ela será selectiva e corresponderá à identificação de aspectos particulares que, independentemente da vontade, mais vincadamente permaneceram em nós. Além disso, quando nos falha a memória, somos muitas vezes tentados a elaborar uma declaração de princípio para nós próprios, como forma de tentarmos superar o sintoma de fracasso em que se revela essa falha, nomeadamente recorrendo a afirmações do género da que Alice pronuncia quando se encontra na floresta: “I will remember, if I can! I’m determined to do it!” Afirmações deste género são frequentes, mesmo que saibamos que o verbo lembrar não encerra uma acção. Contudo, somos capazes de reconhecer situações deste tipo na vida do dia a dia.
O conjunto das invenções do Cavaleiro Branco aparece como o modo como na personagem se exerce a ideia de acto mental. Para o Cavaleiro, o simples facto de ele pensar alguma coisa, corresponde de imediato à invenção dessa coisa, na perspectiva de que inventar é qualquer coisa que se parece com ter um plano ou uma ideia, não existindo na forma de agir da personagem uma diferença entre ter uma ideia, ou uma teoria ou passar-lhe uma coisa pela cabeça. Assim sendo, na medida em que, a partir do momento em que aquilo que é inventado apenas existe na sua cabeça, uma personagem assim torna-se esquiva em relação à ideia de discussão.
Além disso, é interessante verificar o conceito de experiência no Cavaleiro Branco. Entendendo que, para o Cavaleiro, a sua prática é mental, a sua experimentação existe apenas ao nível daquilo que ele pensa e, deste modo, ele é o lugar onde ocorrem experiências unicamente mentais, na medida em que não compreende a relação entre mente e corpo.
De certa forma, aquilo que tenho vindo a afirmar está presente no poema contido no capítulo VIII de Through th Looking-Glass. Embora nos seja apresentado como um diálogo, este poema não o é. Não é um diálogo na medida em que, apesar de nele nos ser apresentada uma personagem que fala, aquilo que dele retiramos é o exercício mental do Cavaleiro, enquanto enunciador do discurso. É no discurso em si que se focaliza o Cavaleiro e não na figura do “aged aged man” que é referida no poema. A construção mental do Cavaleiro pressupõe que o “aged aged man” nomeado seja uma figura ligada ao mundo, enquanto parte do todo em que está inserido. Em contraponto, o poema corresponde a um momento de distracção, por parte do Cavaleiro. De uma distracção que, no fundo está de acordo com os seus procedimentos habituais, enquanto inventor. Deste modo, o poema aparece como uma extensão e como um exemplo de alguém que está sempre a pensar noutra coisa, tal como a certa altura nele se afirma: “But I was thinking of a way/ To feed oneself on batter,” (na estrofe 5). O “aged aged man” faz parte do poema, mas enquanto figura por quem se passa enquanto se faz outra coisa, enquanto parte da paisagem, ao mesmo tempo que, para o Cavaleiro Branco o importante é o seu caso mental, a sua distracção inventiva.